PROCESSO N.º 8910/17.0T9PRT.P1 Tribunal da Relação do Porto
Data
11 de maio de 2022
Descritores
Crime de abuso de confiança
Ofendido
Sociedade
Constituição de assistente
Legitimidade
Sumário
I – Tradicionalmente a jurisprudência considerava que o artigo 68.°, n.° 1, alínea a) do CPP consagrava um conceito restrito de ofendido, segundo o qual ofendido é o titular do interesse “direta”, “imediata” ou “predominantemente” protegido pela incriminação.
II – O acórdão do STJ para fixação de jurisprudência n.° 1/2003 proferido a propósito do crime de falsificação, defendendo a tese do acórdão do STJ de 29/03/2000, rompeu com o entendimento tradicional e alargou o conceito da legitimidade para a constituição de assistente à pessoa cujo prejuízo seja visado para além do interesse que a norma visa proteger especialmente, ao considerar que o vocábulo especialmente usado na lei (alínea a) do n°1 do art.° 68° do CPP) significa particular e não exclusivo, de sorte que “quando os interesses, imediatamente protegidos pela incriminação, sejam, simultaneamente, do Estado e de particulares… a pessoa que tenha sofrido danos em consequência da sua prática tem legitimidade para se constituir assistente”.
III – É sabido e pacífico que só ao titular do interesse jurídico tutelado pela norma penal é reconhecida capacidade e legitimidade para intervir no processo penal como assistente.
IV – Para a decisão sobre a legitimidade da constituição como assistente, a aferição do interesse protegido é feita através dos factos denunciados na participação e no requerimento para abertura da instrução e não pela prova resultante do inquérito.
V – O crime de abuso de confiança não estabelece qualquer protecção, directa ou indirecta, à posição individual do sócio quando a propriedade lesada é pertença de uma sociedade comercial, não estando ínsita na previsão da norma uma qualquer protecção da continuidade do funcionamento daquela pessoa colectiva ou da saúde financeira dos sócios.
VI – A propriedade do património que se protege é a da sociedade e não a dos sócios, distinguindo a lei a personalidade jurídica e judiciária de uma e de outros, pelo que a violação de bens jurídicos da sociedade não se reflecte na esfera individual dos sócios.
Fonte: https://www.dgsi.pt