PROCESSO N.º 729/17.4GBVVD.G1 Tribunal da Relação de Guimarães

Data
08 de junho de 2020

Descritores
Violência doméstica
Elementos típicos do crime
Impugnação da matéria de facto

Sumário
I – O bem jurídico protegido pelo tipo legal de crime de violência doméstica (art. 152º do CP), é, primordialmente, a saúde da vítima, entendida nas suas vertentes de saúde física, psíquica e mental, visando a incriminação protegê-la de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal desenvolvimento de uma pessoa, afetem a dignidade pessoal e individual da pessoa que com o agente mantém (ou manteve) vínculos relacionais estreitos e/ou duradouros.
II – As condutas típicas preenchem-se com a inflição de maus tratos físicos (ofensas à integridade física simples) e maus tratos psíquicos (ameaças, humilhações, provocações, molestações). Estes maus tratos podem ser infligidos de modo reiterado ou não (conduta isolada).
III – O conjunto de ações típicas que integram o ilícito criminal em apreço, uma vez analisadas, à luz do contexto especialmente desvalioso em que são cometidas, constituirão maus tratos quando revelem uma conduta maltratante especialmente intensa, uma relação de domínio que deixa a vítima em situação degradante ou em estado de agressão permanente. Tais condutas geram uma situação consubstanciadora de um padrão comportamental associado a uma perigosidade típica para o bem-estar físico e psíquico da vítima, delas ressumando o desprezo do agressor pela dignidade pessoal desta (enquanto elemento revelador de um acentuado desvalor de acção que agrava a ilicitude material do facto).
IV – O crime de violência doméstica previsto no artº152º do CP supera a soma dos diversos ilícitos que o podem preencher, não sendo as condutas que integram o tipo consideradas autonomamente, mas antes valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento repetido revelador daquele crime.
V – É precisamente por isso que para a prática do crime de violência doméstica não são inócuos os factos que, globalmente considerados, são reveladores de um comportamento de perseguição agressiva, de um constante importunar, de uma vontade conseguida de amedrontar através da inesperada abordagem pessoal e da ameaça velada; o âmbito do crime comporta, pois, as condutas que geram, inclusive através do reiterado e incessante envio de SMS ou de constantes ligações telefónicas, maus tratos psíquicos, configurados como stalking, comportamento criminalmente punível nos termos do art. 154º-A do CP.
VI – No caso, os diversos comportamentos do arguido dados por provados, reiterados e dolosos, consubstanciando episódios de ofensas corporais, de ofensas à honra e consideração, de ameaça e de perseguição (stalking) cometidas sobre a sua mulher, num quadro global de agressividade, desrespeito e humilhação a que a sujeitou, são suficientes para integrar o conceito de “violência doméstica” por tais factos representarem, em relação à vítima, no contexto do relacionamento interpessoal por eles vivenciado, um potencial de agressão que supera a proteção oferecida pelos também tipificados crimes de ofensas à integridade física simples, injúrias, ameaças e perseguição quando considerados isoladamente.

Fonte: http://www.dgsi.pt/




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