PROCESSO N.º 630/20.4T8PTM.E1 Tribunal da Relação de Évora

Data
19 de novembro de 2020

Descritores
Prazo certo
Suspensão de prazo
Estado de emergência
Justo impedimento
Processo urgente

Sumário

I – Tendo a requerida sido citada no dia 17-03-2020, o prazo para deduzir oposição ficou suspenso desde o seu termo inicial, por força do disposto nos artigos 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, e 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que fez retroagir ao dia 9 de Março, a suspensão dos prazos e actos processuais, sendo assim manifesto, em face do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 269.º, n.º 1, alínea d), 275.º, n.º 2, e 276.º, n.º 1, alínea d), que a requerida não tinha que apresentar oposição enquanto durasse o período de suspensão legal, já que os prazos não corriam nesse período.

II – Tratando-se de suspensão legal, em face do disposto no artigo 7.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 1-A/2020, colocou-se a questão respeitante ao termo da consagrada suspensão dos prazos, pois ficou-se «sem saber se seria a determinação da autoridade de saúde pública ou o Decreto-Lei do governo a forma correcta de fazer cessar a suspensão dos prazos processuais», considerando-se que enquanto não surgisse nova legislação a declarar o fim da epidemia, o decretado regime de suspensão de prazos mantinha-se.

III – Não obstante, e apesar da continuação da situação excepcional de mitigação da pandemia e tratamento da doença, e consequentemente de não poder ser por via legal declarado o fim da infecção epidemiológica, com a Lei n.º 16/2020, de 29 Maio, o legislador optou por revogar o artigo 7.º da Lei 1-A/2020, posição que se interpreta como determinando o levantamento da suspensão dos prazos sem necessidade de ser emitido o anunciado decreto-lei, voltando os prazos a correr no quinto dia seguinte ao da sua publicação, por via do preceituado no artigo 10.º da Lei 16/2020, de 29 de Maio, ou seja, a partir do dia 3 de Junho de 2020, inclusive.

IV – Porém, ainda antes da revogação generalizada da decretada suspensão de prazos pela Lei n.º 16/2020, o legislador, pese embora tivesse mantido o referido n.º 2 do artigo 7.º, ao modificar o seu n.º 7, ainda que sem o anunciar expressamente, acabou por proceder à revogação tácita daquele n.º 2 relativamente aos processos urgentes, posto que veio estabelecer quanto aos processos urgentes um novo regime especial, ao declarar que “os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências”, considerando, assim, que as regras enunciadas nas suas alíneas, direccionadas para mitigar o contágio decorrente da presença física em actos e diligências, seriam adequadas para tal fim, salvo se, tal não fosse possível ou adequado, a sua prática ou realização nos moldes preconizados, caso em que salvaguardava a aplicação a estes processos do regime geral previsto na também modificada redacção do seu n.º 1.

V – Assim, quanto aos processos urgentes, a decretada suspensão legal ocorreu entre 9 de Março e 6 de Abril, data em que cessou, começando os prazos a correr nestes processos a partir do dia 7 de Abril de 2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020, conforme previsto no seu artigo 7.º.

VI – Tal não obsta, porém, à aplicação do regime geral do «justo impedimento», e à invocação deste como justificação para a prática atempada do acto pelo cidadão, não sendo indiferente nesta apreciação a vigência das limitações de circulação decorrentes da situação excepcional vivida no decurso do estado de emergência que necessariamente têm que ser sopesadas no juízo de censurabilidade a dirigir ao comportamento omissivo.

VII – Tendo a Apelante invocado como «justo impedimento» para a prática atempada do acto a vigência do estado de emergência, ponderando o facto notório da continuidade da vigência dessa situação classificada como absolutamente excepcional, entre o dia 19 de Março e o último minuto do dia 2 de Maio de 2020, um sábado, tendo presente a deslocação do núcleo essencial do conceito de justo impedimento da visão tradicional assente na normal imprevisibilidade do acontecimento, para a hodiernamente consagrada que se mostra centrada na não imputabilidade do evento justificante à parte, o exercício dos direitos pelos cidadãos neste período não pode deixar se ser entendido à luz das fortes limitações à sua liberdade de deslocação e, diremos mais, do conhecimento que os mesmos possuem sobre o que nas concretas circunstâncias excepcionais que vivemos, lhes é permitido fazer.

VIII – Assim, no concreto circunstancialismo em presença, julgamos verificado o «justo impedimento» invocado pela requerida decorrente da limitação da possibilidade de circular e, por isso, de procurar advogado que a representasse para apresentar a oposição nestes autos antes de ter findado a vigência do estado de emergência. (sumário da relatora)

Fonte: https://www.dgsi.pt




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