PROCESSO N.º 586/19.6BELSB Tribunal Central Administrativo Sul

Data
27 de fevereiro de 2020

Descritores
Sindicato – titularidade e amplitude do direito à informação e acesso a documentos
Desproporcionalidade e exercício abusivo do direito à informação
Dados pessoais e intimidade da vida privada

Sumário
I- A intimação prevista no n.º 1 do art.º 104.º do CPTA destina-se a efetivar jurisdicionalmente quer o direito à informação procedimental, quer o direito à informação não procedimental.

II- Os art.ºs 82.º, 83.º e 85.º do CPA concretizam a garantia constitucional cristalizada no art.º 268.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, estabelecendo o direito dos administrados à informação sobre o andamento de quaisquer procedimentos (incluindo atos preparatórios e decisões finais) que lhes digam diretamente respeito, nomeadamente, por serem destinatários de tal procedimento, bem como o direito à consulta do processo administrativo e à obtenção de certidões ou reprodução dos documentos que integram tal processo administrativo.

III- Por seu turno, o art.º 17.º do CPA estende o conteúdo do direito à informação às situações que vivificam o princípio da administração aberta, conferindo o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos a todas as pessoas, mesmo quando procedimento não lhes diga diretamente respeito, ou não esteja em curso.

IV- No que se refere à extensão do direito à informação estabelecida no art.º 85.º do CPA, impera esclarecer que não se exige um interesse “direto”, que permita ao interessado intervir no procedimento ou impugnar um ato administrativo, mas um mero interesse legítimo no acesso aos documentos, sendo que, como interesse legítimo, deve entender-se um interesse específico atendível, que deverá ser avaliado casuisticamente, dentro de critérios de razoabilidade, em função da relação existente entre o requerente e a matéria sobre a qual ele pretendeu obter informação.

V- Compete ao Recorrido, constituindo uma faculdade/direito dos seus associados, o acesso à informação indispensável para o efeito de verificar a existência de equidade interna no sistema remuneratório dos docentes que integram o grupo de efetivos do Ministério da Educação, organizando-se num corpo próprio, submetido aos mesmos direitos e deveres, como é apanágio de uma carreira especial de natureza pública.

VI- Do que vem de expor-se deriva, portanto, que o Recorrido e os seus associados são, em princípio, afetados pelas decisões tomadas pela Recorrente, de reposicionamento remuneratório, ainda que em cumprimento do prescrito na Portaria n.º 119/2018.

VII- Sendo assim, e quanto aos procedimentos administrativos eventualmente ainda em curso, é de assumir que o Recorrido e os seus associados, incluindo os que não foram objeto do procedimento de reposicionamento remuneratório determinado pela citada Portaria, são titulares do direito à informação procedimental, em virtude de possuírem um interesse legítimo, concordantemente com o exigido no art.º 85.º do CPA.

VIII- Sendo o Recorrido titular do direito à informação procedimental, em virtude de possuir um interesse legítimo, concordantemente com o exigido no art.º 85.º do CPA, é ao Recorrido e não ao Recorrente que cabe ajuizar da necessidade ou pertinência das informações e da obtenção de cópia dos procedimentos requeridos, não sendo lícito à Recorrente recusar a prestação das almejadas informações ou a emissão das cópias dos documentos solicitados.

IX- A alegação de desproporcionalidade e exercício abusivo do direito à informação deve alicerçar-se em factos concretos, também alegados pelo requerido, ou em factos notórios, de conhecimento oficioso.

X- O Recorrente confunde duas dimensões jurídicas muito diversas que são a do exercício do direito à informação e a da proteção dos dados pessoais, ambas com assento constitucional. É que, enquanto a primeira dimensão citada tem por destinatário e objeto o administrado e o cidadão no que se refere ao acesso à informação quanto à atividade desenvolvida pela Administração Pública, já a segunda dimensão mencionada refere-se ao tratamento de dados pessoais por banda da mesma Administração, mormente à recolha e utilização dos ditos.

XI- Do que vem de se explicitar decorre, que os dados pessoais- na aceção do regime jurídico constante da Regulamentação atinente à proteção de dados pessoais- devem receber o tratamento jurídico conferido aos documentos nominativos, em conformidade com o disposto no art.º 1.º, n.º 3 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.

XII- E, no âmbito do direito à informação procedimental, é de salientar que o próprio art.º 83.º, n.ºs 1 e 2 do CPA, estabelece um princípio de admissibilidade de acesso a documentos respeitantes a terceiros, sendo que a referência à proteção de dados pessoais ali inscrita deve ser interpretada no sentido de implicar uma situação de prejuízo para os direitos fundamentais de terceiros, e que dados pessoais são aqueles que, de modo geral, inserem-se na reserva da intimidade da vida privada.

XIII- Ademais, conformemente ao estipulado no art.º 6.º, n.º 5 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, o acesso a documentos nominativos é admissível e autorizado nas situações em que i) o requerente esteja munido de autorização escrita do titular dos dados e que esta seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder, e nas situações em que ii) o requerente demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.

XIV- Os documentos a que o Recorrido pretende ter acesso e, especificamente, as informações em causa- indicação e identificação dos docentes que foram destinatários do aludido procedimento de reposicionamento remuneratório e a respetiva data de ingresso na carreira, número de dias de tempo de serviço contabilizado antes do ingresso na carreira, escalão e índice de reposicionamento e tempo de serviço remanescente a considerar nesse escalão- não configuram documentos nominativos, quer porque tais documentos não contêm qualquer apreciação ou juízo de valor, ou seja, não contêm quaisquer informações depreciativas ou negativas sobre as pessoas a que dizem respeito, quer porque não versam sobre a intimidade da vida privada dos cidadãos a que respeitam.

XV- “A intimidade da vida privada abrange “os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas” (cfr Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 12/06/2019 no processo 175/19.5BEAVR).

Fonte: https://www.dgsi.pt




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