PROCESSO N.º 56/17.7T8MTR.G1 Tribunal da Relação de Guimarães
Data
4 de fevereiro de 2021
Descritores
Acção popular
Domínio público
Sumário
A. Eventual irregularidade cometida pela Secretaria Judicial ao disponibilizar à parte que lha solicite nos termos do artº 155º, nº 3, do CPC, cópia da gravação sonora da audiência final, não pode ser arguida, pela outra, no âmbito da apelação da sentença, por estranha ao objecto desta e à sua impugnação.
B. Dos actos porventura irregulares dos funcionários da secretaria judicial, reclama-separa o juiz do qual dependam funcionalmente – artº 157º, nº 3.
C. De eventual nulidade secundária cometida subsumível à previsão do nº 1, do artº 195º, reclama-se perante o juízo do processo e da decisão deste sobre tal reclamação é que poderá recorrer-se nos limites do nº 2, do artº 630º.
D. Uma vez colocada à disposição das partes a gravação conforme estabelece o nº 3, do artº 155º, qualquer delas pode solicitar cópia à Secretaria se e quando lhe aprouver, sem necessidade de, para isso, se praticar e consignar nos autos qualquer formalidade específica que publicite a entrega do respectivo suporte.
E. Embora o prazo normal para recorrer de uma decisão e, portanto, para ela transitar em julgado seja o de 30 dias (artºs 638º, nº 1, e 628º), não pode a parte vencedora contar logo com a sua estabilidade definitiva sem que decorra o prazo suplementar de 10 dias que acresce àquele no caso de a parte vencida até ao seu termo (ou, ainda, nos três dias úteis subsequentes, usando ainda o expediente validante previsto no artº 139º, nº 5), interpor recurso e manifestar o seu propósito de, no objecto deste, incluir a reapreciação da prova gravada. Caso tal suceda, não pode aquela dizer-se surpreendida, pois nada obriga esta a anunciar-lhe previamente o que tenciona fazer, maxime publicitando nos autos que pediu e obteve na Secretaria a cópia da gravação para tal efeito.
F. Considera-se que o recurso, para o recorrente poder beneficiar do aludido prazo suplementar de 10 dias, tem por objecto prova gravada desde que a priori, a propósito do erro de julgamento e decisão dos factos, aquele a invoque, independentemente da regularidade formal da respectiva impugnação ou do mérito substancial desta.
G. Na acção popular em que se defende ser do domínio público uma porção de terreno adjacente à Rua … de uma aldeia, além do interesse individual derivado ou reflexo do cidadão que a instaura, por ser dono de uma casa a que acede através daquela, existe e sobrepõe-se-lhe o interesse difuso ou colectivo da população respectiva encabeçado pela Freguesia.
H. A causa de pedir de tal acção radica na alegada dominialidade pública do alegado espaço. Compete ao autor e à Junta de Freguesia interveniente provar os factos de onde se extraia a sua natureza, função, afectação ou aquisição de tal coisa como pública.
I. Podendo aquele, para o efeito, equiparar-se a uma viae, portanto, considerar-se como parte do chamado domínio público de circulação da Freguesia, à falta de outro critério legal pode recorrer-se aos usualmente invocados na Doutrina e a Jurisprudência a respeito dos caminhos públicos.
J. Mesmo a entender-se, o que não é pacífico nem a lei refere, que a consideração pelo juiz, ao abrigo do artº 5º, nº 2, b), CPC, de factos essenciais complementares ou concretizadores carece, para exercício do contraditório, de ser previamente por ele anunciada, considera-se tal direito plenamente exercido se o facto considerado foi alvo de constante e intensa discussão durante a audiência e, portanto, é de presumir haver implícito acordo dos sujeitos processuais quanto à sua essencialidade.
K. A não ser assim, estar-se-ia diante de nulidade que implicaria a baixa do processo para, em reabertura da audiência, ser feita a comunicação e aí exercitado o contraditório.
L. Invocando-se como fundamento da acção apenas que um certo espaço de terreno da aldeia é público porque assim tem sido utilizado mas apurando-se que ele foi, há cerca de sessenta anos, do domínio privado; que foi deixado, juntamente com outros bens circundantes, em termos, em circunstâncias e a pessoas cuja identidade e qualidade ao certo, se ignoram; que apenas é utilizado pelo autor que lá tem uma casa; pelos réus, igualmente titulares do imóvel urbano contíguo; e, de resto, apenas esporadicamente, por ocasião de eventos na aldeia (por exemplo, a festa em Julho ou funeral na I. e Cemitério próximos), por algumas pessoas neles participantes, para estacionarem os seus veículos; e, ainda, pelos habitantes da aldeia que têm vacas para, quando se cruzam na Rua X (pública) a que é adjacente, as desviarem e passarem; pelos vendedores que ali vão fornecer alguns produtos para parar os seus veículos e servirem a ré e pessoas que ali se encontrem; isto sem que mais nada se tenha apurado sobre a sua natureza, afectação, aquisição e pertença ao domínio público – deve a acção improceder.
Fonte: https://www.dgsi.pt