PROCESSO N.º 52/18.7GAAMR-B.G1 Tribunal da Relação de Guimarães

Data
24 de janeiro de 2022

Descritores
Suspensão da execução da pena de prisão
Revogação
Incumprimento das regras de conduta
Regime de permanência na habitação
Irregularidade

Sumário
I – A regra geral em matéria de conhecimento de irregularidades é a da necessidade da sua arguição pelo interessado, ou seja, pelo titular do direito protegido pela norma violada, nos estritos prazos legais, ficando a irregularidade sanada se não for tempestivamente arguida – cfr. art. 123.º, n.º 1 do CPP. Excecionalmente, permite-se o conhecimento oficioso e a reparação da irregularidade, no momento em que for notada, quando ela puder afetar o valor do ato praticado – cf. art. 123.º, n.º 2 do CPP.

II – A cognoscibilidade por iniciativa do Tribunal mostra-se adstrita aos casos em que a irregularidade contende com a violação de uma norma que não se destina, ou não se destina em primeira linha, a proteger um direito de um sujeito ou participante processual, antes exterioriza a concretização de valores e princípios estruturantes do direito penal ou processual penal e/ou constitucional, tendo então o legislador entendido que nestas situações o conhecimento sobre a sua violação, suscetível de afetar a própria realização da justiça no caso concreto, não podia ficar condicionada à eventual invocação da mesma por banda de um sujeito ou interveniente processual, permitindo ainda que esse conhecimento, se atempado, seja operado ex officio pelo tribunal para que seja reposta a imprescindível legalidade do ato ou atos processuais afetados.

III – No caso vertente, a irregularidade em causa consubstancia-se na omissão de pronúncia do tribunal de primeira instância sobre a questão da aplicabilidade ou não do regime de permanência na habitação à execução da pena de 8 meses prisão aplicada na sentença e aí substituída por pena de multa, decorrendo a execução daquela pena de prisão do incumprimento entretanto ocorrido da pena de multa e da decidida revogação da suspensão da execução da pena privativa da liberdade por inadimplemento do condenado da regra de conduta a que estava subordinada tal suspensão (cf. arts. 45.º, nºs 1 e 2 e 49.º, n.º 3, ambos do CP).

IV – É indubitável a abstrata aplicabilidade ao caso do disposto no art. 43.º, n.º 1, al. c) do CP, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23.08, entrada em vigor a 22.11.2017, e, por isso, vigente à data dos factos ajuizados nos autos (perpetrados a 12.02.2018). Após a vigência deste novo enquadramento legal, o regime de permanência na habitação continua a aplicar-se, nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 43.º, como pena de substituição da pena de prisão (efetiva), logo, a ser determinado pelo tribunal de julgamento no momento da decisão condenatória, mas passou a ser igualmente aplicável, agora como mero regime de cumprimento da pena de prisão, decretável à posteriori, no caso de a execução, nos termos da al. c) do preceito, decorrer de revogação de pena não privativa da liberdade (onde se inclui, para este efeito, a pena de prisão suspensa na sua execução, nos termos do art. 50.º do CP) ou de não pagamento da pena de multa previsto no n.º 2 do art. 45.º, isto é, nas situações em que a multa de substituição (da pena de prisão) não é cumprida pelo condenado mediante pagamento voluntário, coercivo ou, nos termos do 49.º, n.º 3, ex vi do art. 45.º, n.º 2, ambos do CP, não sendo imputável o não pagamento ao arguido, através de cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro impostos pelo tribunal no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão fixada na sentença.

V – Destarte, estando em causa uma pena de 8 meses de prisão, uma vez decretada a revogação da suspensão da sua execução, que ocorreu ao abrigo do disposto no art. 49.º, n.º 3, ex vi do art. 45.º, n.º 2, ambos do CP e no circunstancialismo acima descrito, impunha-se que o Tribunal a quo ponderasse, no despacho recorrido, a possibilidade de execução dessa pena de prisão em regime de permanência na habitação, aquilatando se estavam ou não verificados os pressupostos legais previstos no artigo 43.º, n.º 1 do CP, designadamente, apreciando se essa forma de execução da pena de prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o que não sucedeu.

VI – Tal omissão de pronúncia concerne com direitos fundamentais do arguido, designadamente o de ver jurisdicionalmente apreciada uma forma de cumprimento da pena menos atentatória da sua liberdade, sendo certo que constituem pilares estruturantes do nosso edifício jurídico-constitucional os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação das sanções penais aplicáveis à satisfação das finalidades punitivas previstas na lei, donde emerge ainda o princípio da preferência pelas reações criminais não privativas da liberdade. Por conseguinte, a irregularidade que decorre dessa omissão de pronúncia, por afetar a validade do despacho proferido, é suscetível de conhecimento oficioso pelo tribunal ad quem.

Fonte: https://www.dgsi.pt

 




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