PROCESSO N.º 4661/16.0T8VIS-R.C1.S1 Supremo Tribunal de Justiça

Data
29 de abril de 2021

Descritores
Processo tutelar
Regulação das responsabilidades parentais
Incumprimento
Alteração do regime legal
Nulidades
Proporcionalidade
Interesse superior da criança
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça

Sumário
I. Enquanto nos processos de jurisdição contenciosa há um conflito de interesses entre as partes que ao tribunal compete dirimir de acordo com os critérios estabelecidos no direito substantivo, nos processos de jurisdição voluntária há, diversamente, um interesse fundamental tutelado pelo direito que ao juiz cumpre regular nos termos mais convenientes e oportunos.

II. Da apontada natureza dos processos de jurisdição voluntária decorre um particular regime processual por modo a que o tribunal avoque a defesa do interesse que a lei lhe confia: simplificação processual, inquisitório, não sujeição a critérios de legalidade estrita (devendo antes adoptar-se em cada caso a solução mais conveniente e oportuna) e a não definitividade das resoluções (que sempre podem ser alteradas em função das circunstâncias).

III. A esse particular regime geral acrescem as especificidades processuais estabelecidas para o processo tutelar cível: o ‘superior interesse da criança’ como critério decisório primordial, a audição da criança, a conjugação e harmonização de decisões, o respeito pelo contraditório relativamente à informação e provas e a possibilidade de decisões provisórias ou de alterar provisoriamente decisões já adoptadas.

IV. Quer o art.º 12º da Convenção sobre os Direitos da Criança quer o art.º 6º da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança estatuem que o tribunal deve, antes de tomar a decisão e na medida da sua capacidade de discernimento, consultar a criança, dando-lhe oportunidade de expressar, livremente e se necessário em privado, o seu ponto de vista sobre os assuntos com ela relacionados, para ser tido em consideração.

V. O art.º 5º do RGPTC consagra duas modalidades de audição da criança: uma, enquanto procedimento para realização do direito de audição (nºs 1 a 5); outra, enquanto procedimento de recolha antecipada da prova por declarações da criança (nºs 6 e 7).

VI. Consultar a criança, se necessário em privado, significa, desde logo, ouvi-la sem a presença dos pais e dos seus advogados, mas também, e sobretudo se tal for solicitado, que o que foi transmitido ao tribunal não seja retransmitido aos seus pais.

VII. Nos casos de exercício do direito de audição não é invocável o exercício do contraditório dado que o campo de aplicação deste se limita às declarações que são prestadas enquanto meio de prova.

VIII. No processo tutelar cível o ‘superior interesse da criança’ é o critério primordial de decisão.

IX. Trata-se de um conceito indeterminado a preencher de acordo com as circunstâncias de cada caso, e que se concretiza na potenciação da efectividade do exercício dos direitos primordiais da criança através de uma abordagem abrangente do concreto quadro circunstancial relativamente ao qual tem lugar a intervenção do tribunal. Numa palavra: no confronto das várias posições defendidas ou adoptáveis deve dar-se preferência e prevalência àquela que melhor garanta o exercício dos direitos da criança, mostrando-se a mais conveniente e oportuna para o efeito.

X. Esse critério primordial implica a necessidade de conjugação e harmonização das decisões, resultando do quadro legal estabelecidos a atribuição ao juiz de um amplo poder de, para cabal promoção do ‘superior interesse da criança’, ao longo do desenrolar do processo e seus incidentes, em qualquer momento e em qualquer procedimento, decretar decisões provisórias, quer inovatórias quer modificativas de regimes já decididos, que conforme as concretas circunstâncias do caso se forem mostrando convenientes e oportunas.

XI. Estando incluídos nesses poderes o de, constatando no decurso do incidente de incumprimento que os termos da execução do regime de visitas fixado estavam a interferir no bem-estar das crianças e para obviar a essa interferência, nesse mesmo incidente alterar provisoriamente o regime de visitas já estabelecido no processo principal.

XII. Os poderes do STJ relativamente às decisões proferidas em processos de jurisdição voluntária estão limitados, pelo nº 2 do art.º 988º do CPC, ao controlo de legalidade estrita – no caso saber se é admissível alterar provisoriamente o regime fixado em incidente de incumprimento e se a decisão proferida respeita o critério decisório legalmente estabelecido –, estando deles excluída a apreciação do seu conteúdo dessas decisões no que concerne à utilização de citérios de conveniência ou oportunidade.

Fonte: https://www.dgsi.pt




O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados disponibiliza a presente newsletter. Esta compilação não pretende ser exaustiva e não prescinde a consulta das versões oficiais destes e de outros textos legais.