PROCESSO N.º 4581/15.6T8VIS.C2 Tribunal da Relação de Coimbra
Data
4 de maio de 2020
Descritores
Contrato de empreitada
Empreitada de consumo
Resolução
Relação de liquidação
Indemnização
Interesse contratual positivo
Compensação
Prova
Confissão
Prova plena
Sigilo profissional de advogado
Sumário
1 – Configura uma empreitada de consumo (e não o tipo contratual comum) aquela que é estabelecida entre uma pessoa singular que contrata a construção duma moradia para habitar com amigos e familiares e uma sociedade por quotas que tem como objeto a atividade de construção civil.
2 – Não existe diferença entre os conceitos de “defeito” e de “falta de conformidade” da lei comum (C. Civil) e da lei especial (DL 67/2003), respetivamente, assim como, preenchidos tais conceitos, os direitos do dono da obra são idênticos em ambos os regimes, situando-se o essencial das diferenças/especialidades no modo de articulação/exercício dos diferentes direitos do dono da obra.
3 – Enquanto no regime do C. Civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidariedade e de alternatividade entre os vários direitos (limitando e condicionando o seu exercício), no âmbito do DL 67/2003 os direitos do consumidor dono da obra são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (pelo respeito pelos princípios da boa-fé, dos bons costumes e da finalidade económico-social do direito escolhido).
4 – Assim, perante faltas de conformidade abundantemente provadas e atrasos sucessivos na conclusão da obra, não procede irrazoavelmente, desproporcionadamente ou contra a boa-fé o consumidor dono da obra que, ao abrigo do disposto no art. 4.º/5 do DL 67/2003, em face do insucesso que teve na solicitada reparação/conclusão da obra, opte logo a seguir e sem mais – sem sequer converter a mora na reparação em incumprimento definitivo na reparação – pela resolução contratual.
5 – Efetuada a declaração resolutiva e operando esta os seus efeitos, a relação contratual existente entra de imediato na chamada “relação de liquidação”, ficando ambas as partes – em razão da função liberatória/desvinculativa da resolução – dispensadas do dever de cumprir as suas prestações (o dono da obra deixa de ter de pagar o preço ainda não pago e o empreiteiro deixa de ter que concluir e executar a obra sem defeitos).
6 – Resolução que pese embora a sua dupla função – desvinculativa e restitutiva (por efeito da equiparação à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico) – pode ser insuficiente para a satisfação do interesse contratual da parte que a declara, razão pela qual quer a lei geral (art. 801.º/2, 802.º/1 e 1223.º, todos do CC) quer o art. 12.º/1 da LDC (na redação dada pelo DL 67/2003) hajam previsto expressamente a cumulação da resolução com a indemnização.
7 – Indemnização que, em caso de cumulação com a resolução, deve colocar o credor (no caso, o dono da obra) na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido (tese do ressarcimento do interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento), uma vez que não é possível desligar a resolução contratual do fundamento que esteve na sua origem e que é um incumprimento contratual.
8 – O que significa que não há nenhum obstáculo jurídico a que, a título de indemnização por danos patrimoniais, o dono da obra (que resolveu o contrato) peça a quantia necessária à conclusão das obras e à reparação dos defeitos (pedidos que visam colocá-lo na situação em que estaria se o contrato tivesse sido devidamente cumprido).
9 – Devendo a tal crédito indemnizatório do dono da obra ser descontado o crédito compensatório (em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução) a que o empreiteiro tenha direito pelo valor de tudo o que prestou (e que na economia do contrato ainda iria prestar), crédito compensatório este diminuído dos montantes que haja recebido, a título de preço, do dono da obra.
10 – Estando provados factos que mostram que um facto – a propósito do montante do preço ainda em dívida por parte do dono da obra – confessado extrajudicialmente pelo empreiteiro não é verdadeiro, ou seja, estando provado, em face do preço global da empreitada e de todos os pagamentos efetuados pelo dono da obra (isto por confissão judicial deste), que é superior o montante do preço da empreitada em dívida, estamos (mais do que perante uma colisão entre confissões) perante a hipótese prevista no art. 347.º do C. Civil – mostra-se não ser verdadeiro o facto objeto da confissão extrajudicial – razão pela qual vale/prevalece o que resulta dos factos provados sobre a diferença entre o preço global da empreitada e os pagamentos efetuados pelo dono da obra.
11 – Retratando os mails trocados entre uma parte e o advogado da outra parte meras comunicações e/ou declarações de ciência – a parte diz que já só deve € 6.300,00 e o advogado da outra parte responde que ainda deve € 8.300,00 mais IVA – e não quaisquer negociações (quaisquer cedências mútuas, tendo em vista colocar termo ao diferendo ou litígio), não estão os mesmos cobertos por sigilo profissional, podendo ser juntos e ser probatoriamente valorados.
Fonte: https://www.dgsi.pt