PROCESSO N.º 45/19.7YFLSB Supremo Tribunal de Justiça

Data
28 de janeiro de 2021

Descritores
Juiz
Deveres funcionais
Dever de prossecução do interesse público
Infração disciplinar
Sanção disciplinar
Advertência
Procedimento disciplinar
Prescrição
Erro nos pressupostos de facto
Violação de lei

Votação
UNANIMIDADE COM * DEC VOT

Sumário
I – Em matéria de prescrição em sede de procedimento disciplinar, da conjugação dos n.os 1, 2 e 5 do art. 178.º da LGTFP (aplicável “ex vi” do art. 131.º do EMJ) resulta a existência de três prazos distintos para o aludido prescricional, quais sejam: (i) o prazo do direito de instaurar o procedimento disciplinar (objetivamente aferido), que é de um ano sobre a data em que a infração tenha sido cometida, salvo quando esta infração consubstancie também infração penal, caso em que se aplicam então os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos; (ii) dentro desse prazo, o prazo de 60 dias para instaurar o procedimento disciplinar (subjetivamente aferido), a contar do conhecimento da infração por parte do superior hierárquico com competência para tal; e (iii) o prazo para conclusão do procedimento disciplinar, que é de 18 meses entre a data da instauração do procedimento disciplinar e a data da notificação da decisão final ao arguido.

II – A prescrição de “curto prazo” do direito de instaurar o procedimento disciplinar no prazo de 60 dias ocorrerá sempre que, conhecida a infração por qualquer superior hierárquico, não for instaurado procedimento disciplinar neste prazo (ou seja, pondera-se o tempo passado sobre o conhecimento do órgão com competência disciplinar).

III – O mesmo é dizer que a chamada prescrição de “longo prazo” do n.º 1 do art. 178.º da LGTFP só pode verificar-se na ausência do conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico, nela se considerando a pura passagem do tempo sobre a prática dos factos.

IV – A parte final do art. 178.º, n.º 2, da LGTFP não é aplicável aos juízes, dado que os magistrados judiciais não estão sujeitos a qualquer superior hierárquico, mas (i) sendo os magistrados judiciais disciplinarmente responsáveis, nos termos do art. 81.º do EMJ, e (ii) sendo ao CSM que incumbe o exercício da respetiva ação disciplinar [arts. 111.º e 149.º, al. a), ambos do EMJ], vem a jurisprudência do STJ uniformemente considerando que a menção ao «conhecimento do superior hierárquico» deve ser entendida por referência a este órgão.

V – A jurisprudência da Secção do Contencioso do STJ, que vem distinguindo (i) o mero conhecimento de uma certa materialidade fáctica (o conhecimento do mero facto naturalístico), (ii) do conhecimento da infração indiciada enquanto materialidade juridicamente relevante na perspetiva do respetivo enquadramento como ilícito disciplinar, tem entendido, pacífica e uniformemente, que, para o efeito de contagem do prazo de prescrição, no que à instauração do procedimento disciplinar diz respeito, o que releva é o conhecimento da infração e não a suspeita da mesma.

VI – Face à inexistência de hierarquia no seio da magistratura judicial e às características próprias da organização interna do CSM [que funciona em Plenário e em Conselho Permanente (n.º 1 do art. 150.º do EMJ)], o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar a que se refere o n.º 2 do art. 178.º da LGTFP apenas se pode contar a partir do momento em que o Plenário ou o Conselho Permanente (órgãos colegiais deliberativos em que repousa a competência para decidir em matéria disciplinar), por intermédio de deliberação, formularem um juízo fundado sobre a relevância jurídico-disciplinar da materialidade fáctica.

VII – Considerando que: (i) o procedimento disciplinar respeitante aos atinentes e sucessivos adiamentos na prolação do acórdão foi iniciado por deliberação do Conselho Permanente do CSM na sessão de 09-10-2018, (ii) este é o órgão colegial deliberativo competente para instaurar procedimento disciplinar, conforme resulta do art. 152.º do EMJ, (iii) o conhecimento da infração indiciada, como materialidade juridicamente significante na perspetiva do ilícito disciplinar, só foi obtido com a deliberação de 09-10-2018, quando o Conselho Permanente do CSM [todos os elementos do Conselho Permanente do CSM e não apenas por algum ou por alguns dos seus membros, sendo o Vice-Presidente apenas um dos seus membros] tomou conhecimento dos factos disciplinarmente relevantes, apurados em sede de inquérito, e (iv) na mesma data, o CSM ordenou a conversão do inquérito em processo disciplinar, através da deliberação do respetivo Conselho Permanente naquela sessão realizada a 09-10-2018, então, o procedimento disciplinar respeitante aos atinentes e sucessivos adiamentos na prolação do acórdão foi inequivocamente instaurado dentro do prazo de 60 dias estabelecido no n.º 2 do art. 178.º da LGTFP, não tendo, consequentemente, ocorrido prescrição do procedimento disciplinar e não padecendo a deliberação impugnada do alegado vício de violação de lei.

VIII – O erro sobre os pressupostos de facto (i) traduz-se, em termos gerais, numa divergência entre os pressupostos de que o autor do ato partiu para proferir a decisão administrativa final e a sua efetiva verificação na situação em concreto, resultante da circunstância de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade, e (ii) constitui uma das causas de invalidade do ato administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material (pois é a própria substância do ato administrativo, a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei).

IX – Em sede de impugnação contenciosa de decisões disciplinares, para que proceda a invocação do erro sobre os pressupostos de facto, ao impugnante caberá, nos termos gerais, demonstrar a justificação e a necessidade da impugnação deduzida o ónus de alegação dos factos que compõem a realidade que tem como verdadeira e a demonstração que os factos nos quais a deliberação impugnada se baseou não existiam ou não tinham a dimensão por esta (pres)suposta (contrariando ou, pelo menos, abalando a credibilidade desses factos), havendo, ainda, que averiguar da concreta relevância do erro para a decisão punitiva que veio a ser tomada.

X – Resultando da identificação (efetuada pelo impugnante) dos pontos da fundamentação de facto da deliberação do CSM impugnada estar aqui em causa o acerto do juízo probatório formulado quanto ao preenchimento dos elementos subjetivos do tipo disciplinar em apreço (ou seja, a apreciação sobre se o juízo probatório formulado permitia a conclusão extraída pela entidade demandada, para além de qualquer dúvida, e vertida nos pontos 37. e 38., que corporizam aqueles elementos subjetivos), conclui-se que assume total relevância a impugnação deduzida contra aqueles pontos 37. e 38..

XI – O enquadramento factual discriminado, em sede de fundamentação, no factualismo provado, não permite, antes contraria, que se extraia a conclusão (i) plasmada no ponto 37., de que o impugnante concretizou, de forma livre, deliberada e consciente o incumprimento das regras da lei processual penal relativas à leitura das sentenças/acórdãos e ao imediato depósito do respetivo texto escrito; (ii) constante do ponto 38., de que o impugnante sabia que, com a descrita conduta, colocava em causa a confiança dos cidadãos quanto à oportunidade na administração da justiça pelos tribunais, causando-lhes com isso desprestígio, conformando-se com tal resultado.

XII – Não se podendo extrair da prova produzida o juízo probatório sobre os elementos subjetivos da infração em apreço que subjaz àqueles pontos 37. e 38., a deliberação impugnada padece de erro sobre os pressupostos de facto (que, de resto, inquina a conclusão de direito extraída sobre os preenchimentos dos elementos da infração disciplinar), cuja verificação determina por si só a anulação da deliberação impugnada, nos termos do art. 163.º, n.º 1, do CPA, não ocorrendo qualquer das (três) situações que determinam o aproveitamento do ato anulável, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.

Fonte: https://www.dgsi.pt




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