PROCESSO N.º 4354/19.7T8CBR-A.C2 Tribunal da Relação de Coimbra
Data
26 de junho de 2020
Descritores
Proteção das pessoas singulares no tratamento de dados pessoais e livre circulação de dados pessoais
Recibos de vencimento de terceiros
Sua junção ao processo
Sumário
I – O Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de Abril de 2016 relativo à protecção das pessoas singulares diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e revogou a Directiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados), adiante designado apenas por Regulamento.
II – O teor ou conteúdo dos recibos de vencimento é enquadrável na definição de dados pessoais constante do nº 1 do artº 4º do Regulamento por conterem “informações relativas a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»)…” e o seu tratamento (nº 2 do artº 4º do Regulamento) só é lícito se, no que ao caso interessa, “for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, excepto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a protecção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança”.
III – É proibido o tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, ou a filiação sindical, bem como o tratamento de dados genéticos, dados biométricos para identificar uma pessoa de forma inequívoca, dados relativos à saúde ou dados relativos à vida sexual ou orientação sexual de uma pessoa, sendo que esta proibição não se aplica “se o tratamento for necessário à declaração, ao exercício ou à defesa de um direito num processo judicial ou sempre que os tribunais atuem no exercício das suas função jurisdicional” – nºs 1 e 2º, al. f) do artº 9º do Regulamento.
IV – Se é verdade que, no caso, estes trabalhadores não são partes no processo, não é menos verdade que todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para descoberta da verdade, designadamente, facultando o que for requisitado – nº 1 do artº 417º do CPC sendo que, no caso, não se verificam as causas de recusa a que alude o nº 3 do citado preceito.
V – Se para se atingir a pretendida finalidade (saber se há violação do referido princípio constitucional) é necessário a junção dos recibos de vencimento no sentido de se poder comprovar os montante dos salários auferidos pelos outros trabalhadores, não é menos certo que essa junção poderá acarretar uma intromissão na vida privada desses trabalhadores na medida em que dos recibos podem constar outras informações como sejam, por exemplo, a quotização sindical, pagamentos de seguros e de pensão de alimentos e faltas ao serviço, cujo conhecimento não é essencial ou indispensável para se poder decidir sobre a alegada violação do princípio constitucional de “para trabalho igual salário igual”.
VI – Assim, se a junção dos recibos de vencimento é adequada, ou necessária, ao exercício por parte do autor de um direito num processo judicial, ou seja, a fazer prova do montante dos vencimentos de forma a poder concluir-se pela violação ou não do dito princípio, não se pode olvidar que essa junção, nos termos referidos, poderá acarretar uma violação da reserva da vida privada, tudo dependendo do teor de tais recibos.
VII – Por isso, considerando os direitos em confronto que urge salvaguardar, tendo presente o critério de equilíbrio que deve presidir à análise deste tipo de situações, no quadro legal em vigor, decide-se que os recibos de vencimento devem ser juntos autos desde que deles apenas conste o montante do salário, com inclusão de todos os seus componentes retributivos, omitindo-se a referência a quaisquer outros elementos que, para além do montante da retribuição, deles eventualmente constem.
Fonte: https://www.dgsi.pt