PROCESSO N.º 408/21.8T8VRL.G1 Tribunal da Relação de Guimarães

Data
19 de maio de 2022

Descritores
Regime do maior acompanhado
Aplicação de medida de acompanhamento
Valor mensal a movimentar
Composição do Conselho de Família

Sumário
I – Podemos assentar que o novo regime do maior acompanhado, introduzido no Código Civil por força da Lei nº49/2018, representa a realização infraconstitucional das liberdades e direitos das pessoas portadoras de deficiência com vista a encontrar soluções individualizadas, que ultrapassem a rigidez do antigo regime dualista da «interdição/inabilitação», garantindo à pessoa acompanhada a sua autodeterminação, e promovendo, na medida do possível, a sua vida autónoma e independente, de acordo com o princípio da máxima preservação da capacidade do sujeito.

II – Ocorreu, portanto, uma alteração de paradigma: a rigidez do anterior sistema que assentava em duas figuras (interdição/inabilitação) que limitavam a capacidade de exercício da pessoa afectada de uma forma estanque e pré-definida na lei (no qual a regra era a da incapacidade de exercício), deu lugar ao sistema maleável do maior acompanhado, cujo conteúdo é preenchido casuisticamente pelo Juiz em função da real situação e das reais capacidades e possibilidades da pessoa em causa (no qual a regra é, agora, a da capacidade): agora parte-se da ideia de capacidade para dotar a pessoa dos instrumentos necessários para a sua tutela nos casos pontuais em que dela careça, e sempre tendo em conta as particularidades de cada actuação ou domínio de actuação; já não existe uma solução generalizante, procurando-se, sim, preservar até ao limite a possibilidade de atuação autónoma do pessoa, sendo que, no fundo, pretende-se «proteger sem incapacitar».

III – Nos arts. 138º, 140º, 145º/1, e 147º/1 do C.Civil (e ainda noutros – cfr. arts. 141º, 143º, 146º, 149º e 155º) são estabelecidos os princípios basilares do regime do maior acompanhado e que devem orientar a aplicação (ou revisão) de qualquer medida de acompanhamento: primazia da autonomia da pessoa humana até ao limite possível; subsidiariedade da medida relativamente aos deveres gerais de cooperação e de assistência; e necessidade absoluta e proporcional da medida para assegurar o bem-estar, a recuperação, o pleno exercício de direitos e cumprimento dos deveres.

IV – A aplicação de qualquer medida de acompanhamento tem que ser fundamentada, devendo o Tribunal averiguar e apurar se a sua imposição é necessária, adequada e proporcional, e se se justifica, em face do concreto estado de saúde, deficiência e/ou comportamental que o maior apresenta e em face do cumprimento dos deveres gerais de cooperação e de assistência que, no caso concreto, caibam por parte dos seus familiares, devendo serem ponderados, para tal efeito, três factores: acompanhamento, competências e limitações.

V – Caso se conclua que deve ser imposta uma medida de acompanhamento, importa ter presente que, abandonado o anterior regime de medidas «generalistas, rígidas, tipificadas, inflexíveis, aplicáveis indistintamente a todos os beneficiários», agora o Tribunal deverá sempre definir medidas/soluções individualizadas, adaptadas às especificidades e necessidades da concreta pessoa que delas irá beneficiar, dando primazia à criação de uma «solução à sua medida», a qual deverá respeitar, tanto quanto possível, a vontade e autodeterminação do maior, e a qual deve limitar-se ao necessário, adequado e proporcional, medida essa contribuir para alcançar o objetivo do acompanhamento (que é o de assegurar o bem-estar, a recuperação e o pleno exercício da capacidade de agir).

Fonte: https://www.dgsi.pt




O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados disponibiliza a presente newsletter. Esta compilação não pretende ser exaustiva e não prescinde a consulta das versões oficiais destes e de outros textos legais.