PROCESSO N.º 381/16.4GAMMC.C1.S1 Supremo Tribunal de Justiça

Data
11 de fevereiro de 2021

Descritores
Recurso penal
Matéria de facto
Vícios do art.º 410.º do Código de Processo Penal
Competência do Supremo Tribunal de Justiça
Ofensa à integridade física qualificada
Pena suspensa
Regime de prova

Sumário
I – A matéria invocada nos recursos, relativa à violação dos princípios da livre apreciação da prova e dos princípios, associados, de presunção de inocência e do in dubio pro reo, reporta, reconhecidamente, tão-apenas à decisão levada, nas instâncias, sobre matéria de facto, cujo conhecimento está eximido aos poderes de cognição do STJ (art. 434.º, do CPP).

II – Outro tanto vale no que respeita à alegada verificação dos vícios elencados no n.º 2 do art. 410.º, do CPP, de que o STJ apenas pode conhecer, por si e de ofício, quando constate, à evidencia, um daqueles piáculos, que inviabilize uma correcta decisão sobre as questões de direito que lhe são submetidas, operando o consequente reenvio do processo para novo julgamento.

III – Por outro lado, saliente-se, a limitação dos poderes de cognição do STJ ao (exclusivo) reexame da matéria de direito (art. 434.º, do CPP), não consente a reabertura da discussão sobre a decisão levada, nesse particular, pelo acórdão da Relação, para tanto competente (art. 428.º, do CPP), esgotado que se mostra o grau de recurso para tanto estabelecido.

IV – Uma vez julgado provado que um dos arguidos agarrou a vítima, pelo pescoço, colocando a cabeça deste debaixo da sua axila e que, nessa posição, os três arguidos o socaram na cabeça, causando-lhe lesões que determinaram, poucas horas depois, a morte, o Tribunal de 1.ª instância não podia concluir, à luz das mais elementares regras da experiência (que ditam, designadamente, que sucessivas e reiteradas, violentas, agressões a murro sobre a cabeça de indivíduo, imobilizado, são susceptíveis de lhe causar lesões que fazem perigar a vida da vítima), como concluiu, que os arguidos não representaram a possibilidade de as agressões provocarem perigo para a vida do FF.

V – Tal conclusão evidenciava uma clara incompatibilidade com a comprovada conduta dos arguidos.

VI – Ao Tribunal da Relação, recorrido, cumpria, pois, reparar o julgado, como reparou (por via da invocada coincidência entre a verificação de um erro de julgamento da matéria de facto e da sanação do vício de erro notório na apreciação da prova), em deciso que não suscita qualquer discordância.

VII – O crime agravado pelo resultado deve ser entendido não como o crime preterintencional, em que o resultado agravante se soma à conduta base, exigindo-se ainda uma conduta base dolosa, a criação dolosa de um perigo de verificação de um resultado agravante, e a negligência relativamente a um resultado agravante, seja um crime de aptidão consumada – dado que a conduta base cria não só um resultado, como gera o perigo de outro resultado, do passo em que a conduta base é apta para a criação daquele perigo, aptidão esta confirmada na efectiva produção (negligente) do resultado agravante, que mais não é que a materialização do perigo criado.

VIII – Verificam-se as condições agravativas prevista no disposto nos arts. 144.º, al. d), 145.º n.º 1 al. c) e 2 e 132.º n.º 2 al. h), do CP, quando o crime de ofensas corporais, agravado pela morte da vítima, resulta de uma agressão, motivada pelo facto de a vítima, na zona dos bares da …, ter derrubado um copo de cerveja que atingiu a namorada de um dos arguidos, levada por este e pelos co-arguidos, a um ponto extremo de punição e violência não pode deixar de relevar-se no âmbito da comprovação de uma maior eficácia da acção e da consequente maior dificuldade de defesa em que se coloca a vítima, como foi o caso, ademais com os murros desferidos, sucessiva e repetidamente, pelos arguidos sobre a cabeça da vítima manietada, imobilizada sob a axila de um dos agressores, a revelar falta de escrúpulo no abuso da posição ascendente conferida pela força da acção grupal sobre uma vítima isolada, o que não pode deixar de considerar-se relevante no ponto da verificação da especial censurabilidade da conduta dos arguidos.

IX – Figurando-se particularmente ponderosas as razões de prevenção geral, devem relevar-se os factores atenuativos julgados provados, de que resulta, quanto a todos os arguidos, uma primariedade que indicia um agir delitivo ocasional, fortes laços de integração familiar, social e profissional, a que não pode deixar de adir-se seja a atitude de contrição manifestada, seja o facto de irem decorridos mais de quatro anos sobre a ocorrência delitiva, encontrando-se os arguidos em liberdade, o que indiciará, sem olvido da gravidade da conduta e a da imperecível dor que a morte da vítima (e nas circunstâncias em que ocorreu) causou, nos seus pais, familiares e no seu círculo convivial, uma atenuação da sensibilidade comunitária relativamente às exigências de aplicação de penas detentivas.

X – Tudo ponderado e sopesado, afigura-se que, na moldura abstracta aplicável, de 3 a 12 anos de prisão, a pena, relativamente a cada um dos arguidos, deve concretizar-se na medida de 5 anos de prisão, não se vendo razões, designadamente em face da conjunção delitiva, mesmo da idade de cada um, para distinguir as penas concretas aplicadas.

XI – A concretização, no caso, de penas de suspensão da execução da pena de prisão, nos termos prevenidos, maxime, no art. 50.º do CP, face à redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, é de acolher, desde logo pela inverificação de particulares razões de prevenção especial, podendo concluir-se, a partir da indiciada ocasionalidade da conduta e dos relevantes factores de inserção familiar, social e laboral de que todos os arguidos beneficiam, que simples ameaça de execução da pena será suficiente para afastar os arguidos da criminalidade, com o que se figura consistente a formulação do pretextado juízo de prognose favorável, seja em atenção ao trajecto vital dos arguidos, ponderando-se que uma pena de prisão, suspensa na sua execução, mediante regime de prova e garantias reparatórias (no possível da reparação), responde com adequado vigor, ao sentimento de justiça, mas também de esperança, da comunidade.

Fonte: https://www.dgsi.pt




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