PROCESSO N.º 3809/18.5T9STB.E1 Tribunal da Relação de Évora

Data
24 de maio de 2022

Descritores
Abuso de confiança contra a segurança social
Notificação do arguido
Valores em dívida

Votação
MAIORIA COM * VOT VENC

Sumário
I – A notificação a efetuar ao arguido, nos termos e para os efeitos previstos na al. b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT – aplicável ao crime de abuso de confiança fiscal contra a segurança social ex vi do artigo 107.º, n.º 2 do mesmo diploma legal –, tendo em conta os fins a que se destina, deverá indicar, pelo menos, o valor das prestações tributárias ou contributivas, em dívida e a menção de que esse valor é acrescido de juros e, ainda, de coima, não sendo exigível a concretização do valor dos juros, nem do montante da coima, já que serão variáveis.

II – No caso de nessa notificação existir incorreção na indicação do valor das prestações tributárias ou contributivas, em dívida e/ou divergência entre o montante mencionado na notificação e o valor efetivamente devido, que venha a ser apurado em audiência, tal não afeta a validade do ato/notificação efetuada.

III – A não ser assim entendido, sempre que da prova produzida, na audiência de julgamento, resultasse ser o valor da prestação tributária em dívida, inferior àquele que constava da acusação ou da pronúncia e que havia sido indicado na notificação efetuada ao arguido, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, haveria que concluir no sentido da não verificação da condição objetiva de punibilidade prevista nessa disposição legal, o que não pode merecer acolhimento.

IV – O valor da prestação tributária em dívida, que é feita constar da notificação efetuada nos termos e para efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, quando realizada numa fase anterior à dedução da acusação, será aquele que decorre dos elementos de que a Administração Tributária ou a Segurança Social, dispõem, nesse momento. No caso da Segurança Social, serão tidos em conta os mapas de remunerações pagas aos trabalhadores e/ou elementos dos órgãos sociais, remetidos pela entidade empregadora à Segurança Social, mapas esses que contém a descriminação dos trabalhadores, dos montantes dos salários pagos e das contribuições retidas, estas últimas não tendo sido entregues, no prazo legal, nem posteriormente, estarão em dívida.

V – Na audiência de julgamento, em que será produzida a prova, podendo o arguido exercer plenamente o direito ao contraditório, sendo aplicáveis as regras da apreciação da prova, uma delas a do principio in dúbio pro reo, o valor da prestação tributária ou das cotizações em dívida que foi indicado na notificação efetuada ao(s) arguido(s), nos termos e para efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, poderá resultar confirmado ou não, sendo que a circunstância de resultar provado que o valor em dívida é inferior ao que se fez constar daquela notificação, não põe em causa a validade ou a eficácia desta última, nem afasta a verificação da condição objetiva de punibilidade prevista na enunciada norma legal.

VI – No caso dos autos, tendo os arguidos sido notificados, para os efeitos previstos na al. b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, constando das respetivas notificações que o valor da dívida relativo a quotizações retidas e não entregues à Segurança Social era de 38 485,09€, pese embora, tenha sido dado como provado na sentença, que o valor das contribuições, que a sociedade arguida deduziu das remunerações dos seus trabalhadores e que reteve e não entregou à Segurança Social, é de 5 143,36€ [tendo o Tribunal a quo, em face da prova produzida, na audiência de julgamento sido confrontado com a dúvida, sobre se foram efetivamente pagos os salários a que respeitam todas as folhas de remunerações enviadas à Segurança Social, dúvida essa que, por aplicação do princípio in dúbio pro reo, resolveu a favor dos arguidos], há que considerar que a notificação em causa é válida e mostra-se apta a preencher a condição objetiva de punibilidade estabelecida na al. b) do n.º 4 do artigo 105º, aplicável ao crime de abuso de confiança contra a segurança social ex vi do n.º 2 do artigo 107º do RGIT.

VII – Não é inconstitucional, não violando os princípios da legalidade, nem da proporcionalidade, da separação de poderes ou da igualdade, nem o direito a um processo equitativo, com consagração nos artigos 2.º, 1.3º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4 e 29.º, n.º 1, todos da CRP, a interpretação da norma ínsita no artigo 105.º, n.º 4, do RGIT, no sentido de que a circunstância de o valor apurado – entenda-se, em julgamento e que vem a ser dado como provado na sentença –, ser inferior ao constante da notificação efetuada nos termos do artigo 10.5º, n.º 4, do RGIT é irrelevante, para que se tenha por verificada a condição objetiva de punibilidade prevista na al. b) do n.º 4, do artigo 105.º do RGIT.

Fonte: https://www.dgsi.pt




O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados disponibiliza a presente newsletter. Esta compilação não pretende ser exaustiva e não prescinde a consulta das versões oficiais destes e de outros textos legais.