PROCESSO N.º 324/14.0TELSB-DM.L1-5 Tribunal da Relação de Lisboa

Data
14 de dezembro de 2021

Descritores
Assistente em processo penal
Constituição de assistente
Ofendido
Bem jurídico protegido

Sumário
– Na análise da questão sobre a legitimidade material do recorrente para se constituir assistente, que aderiu à acusação pública, releva decisivamente apenas o enunciado textual dessa peça, a qual define o objeto do processo.

– O instituto processual que concretiza o direito fundamental de participação do ofendido no processo penal – o estatuto do assistente –, concretização da garantia de acesso ao direito e a tutela jurisdicional, não colide nem afasta a natureza iniludivelmente pública do processo penal pelo que se compreende que o assistente assuma, no ordenamento vigente, essencialmente uma função de colaboração com o Ministério Público, contribuindo ativamente para a realização das respetivas atribuições de interesse público, mas a ele subordinado.

– Esse estatuto não se confunde com a condição e os poderes próprios do «lesado» – no sistema processual penal vigente, as noções de «lesado» e de «ofendido» são distintas.

– Atento o bem jurídico complexo protegido pelo crime de infidelidade, p. e p. pelo artigo 224.º, n.º 1 do CP, o sujeito afetado pela incriminação está concretizado em pessoa coletiva, que não se confunde na sua esfera de direitos e interesses com os seus acionistas, sendo, nos termos da acusação, visado pelos arguidos unicamente o prejuízo do património societário face ao que, independentemente de poderem existir danos reflexos, indiretos ou de segundo grau noutros sujeitos, relevantes em sede ressarcitória civil, certo é que, do ponto de vista jurídico-criminal, a relação teleológico-funcional pressuposta na incriminação da infidelidade, tal como factualmente delineada na acusação, não tem o recorrente como titular de interesse protegido.

– Se a imputação subjetiva formulada na acusação não inclui a vontade de prejudicar outra esfera patrimonial, para além da pertencente à pessoa colectiva, mormente os respetivos acionistas, a qual, aliás, como referido no do despacho do Ministério Público, deduziu queixa-crime- Na análise da questão sobre a legitimidade material do recorrente para se constituir assistente, que aderiu à acusação pública, releva decisivamente apenas o enunciado textual dessa peça, a qual define o objeto do processo.

– O instituto processual que concretiza o direito fundamental de participação do ofendido no processo penal – o estatuto do assistente –, concretização da garantia de acesso ao direito e a tutela jurisdicional, não colide nem afasta a natureza iniludivelmente pública do processo penal pelo que se compreende que o assistente assuma, no ordenamento vigente, essencialmente uma função de colaboração com o Ministério Público, contribuindo ativamente para a realização das respetivas atribuições de interesse público, mas a ele subordinado.

– Esse estatuto não se confunde com a condição e os poderes próprios do «lesado» – no sistema processual penal vigente, as noções de «lesado» e de «ofendido» são distintas. contra os decisores do investimento nas aludidas obrigações e moveu ação cível contra os mesmos, há que concluir que o recorrente não é titular de nenhum dos concretos interesses patrimoniais que a lei quis especialmente proteger com a incriminação de qualquer das condutas subjacentes à imputação neste processo de crimes de burla qualificada.

– Coisa diferente é saber se, enquanto lesado, é devida indemnização ao recorrente por danos patrimoniais indiretos ou reflexos e/ou por danos não patrimoniais, posição jurídica exercida no pedido cível aqui deduzido, em paralelo com a pretensão formulada em processo pendente junto de instância judicial brasileira, questão que não pode ser respondida no presente recurso.

– Nem no plano inicial do enunciado acusatório, citado no recurso, onde se delineia a fundação e atuação de uma associação criminosa, nem nos crimes executados em atuação da mesma, encontramos factos relativos a falsificações pertinentes à emissão de ações tituladas pelo recorrente, valendo também neste plano o que disse a propósito do crime de burla qualificada quanto à imputação subjetiva: nos termos da acusação, o prejuízo da esfera jurídica do recorrente, mormente da esfera patrimonial, não foi visado pelos agentes do crime de falsificação de documento.

– Não é, em abstrato, a natureza do crime que veda a constituição do recorrente como assistente, mas sim o concreto e específico leque de factos e decorrentes feixe de relações jurídicas enunciados pelo Ministério Público na acusação, a que o recorrente simplesmente aderiu, que não comporta – bem ou mal, não está aqui em discussão – a matéria invocada para legitimar a aquisição desse estatuto processual, o que significa que esse sujeito em concreto não é aqui afetado num direito ou posição jurídica inscrita no objeto do processo fixado na acusação pública e, correspondentemente, não é titular de um interesse qualificado na pretensão punitiva, idóneo a legitimar a sua participação no presente processo como assistente, com referência a tais crimes.

– Quanto ao crime de branqueamento de capitais, a motivação do recurso nem mesmo ensaia a demonstração da titularidade pelo recorrente de um interesse específico na incriminação constante do artigo 368.º-A do CP, que manifestamente não existe. A sua posição perante o interesse comunitário na realização da justiça, na vertente da perseguição e perda a favor do Estado das vantagens da prática do crime precedente, ou relativamente ao crime precedente e à estabilidade da ordem socioeconómica, não assume uma qualquer particularidade relativamente ao que sucede com as pessoas em geral.

Fonte: https://www.dgsi.pt

 




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