PROCESSO N.º 3165/18.1T8VCT.G1.S1 Supremo Tribunal de Justiça

Data
23 de setembro de 2021

Descritores
Contrato de locação financeira
Cláusula contratual geral
Benfeitorias
Benfeitorias necessárias
Recurso subordinado
Admissibilidade de recurso

Sumário
I. Verifica-se que coincidiram a sentença e o acórdão recorrido no juízo de improcedência de todos os pedidos formulados pelos autores, com excepção do pedido referente ao direito a indemnização por benfeitorias realizadas no imóvel objecto do contrato de locação financeira sobre o qual incide o recurso principal. Assim, e independentemente da orientação fixada pelo AUJ n.º 1/2020 (que conduziria ao mesmo resultado), o recurso subordinado não é admissível porque incide sobre segmentos decisórios do acórdão recorrido, respeitantes a objectos processuais materialmente autónomos ou cindíveis, relativamente aos quais se formou dupla conforme.

II. No que se refere ao cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais do contrato de locação financeira dos autos (art. 5.º do DL n.º 446/85, de 25.10), dever que, por sua vez, se sub-divide no dever de comunicação integral das cláusulas (art. 5.º, n.º 1) e no dever de comunicação de modo adequado e com a antecedência necessária (art. 5.º, n.º 2), sabendo-se que as ditas cláusulas constam de documento composto por duas dezenas de páginas, entregue aos autores aquando da celebração do contrato, considera-se cumprido o primeiro dever (de comunicação integral) e não cumprido o segundo (no caso, de comunicação com a antecedência necessária).

III. Com efeito, tal como ajuizou o tribunal a quo, entende-se que a apreensão do conteúdo de um documento contratual com tal extensão, e alguma complexidade, é incompatível com uma simples leitura realizada aquando da outorga do contrato.

IV. No caso dos autos, o inadimplemento do dever de informação (art. 6.º do DL n.º 446/85) não passa pela falta de clarificação do conteúdo e alcance da cláusula contratual em causa (art. 6.º, n.º 1), mas antes por – em consequência do não cumprimento do dever de comunicação com a antecedência necessária (art. 5.º, n.º 2) – ter a predisponente inviabilizado a formulação pelos aderentes de eventual pedido de esclarecimento (art. 6.º, n.º 2) acerca dessas cláusulas. Por outras palavras, tanto falta ao dever de informação (ou esclarecimento) a predisponente que não presta os esclarecimentos pedidos como aquela que, pela forma e tempo de comunicação das cláusulas contratuais, inviabiliza a realização de quaisquer pedidos de esclarecimento.

V. Perante a redacção do art. 9.º, n.º 2, al. c) do DL n.º 149/95, de 24.06, referindo-se a “peças ou outros elementos acessórios incorporados no bem” pelo locatário que justificariam que o locador do contrato de locação financeira os fizesse seus sem compensação para aquele, não merece censura a conclusão a que chegou o acórdão recorrido de reconhecer o direito dos autores a serem indemnizados pelas obras com carácter essencial e que não poderiam ser levantadas ou desincorporadas do imóvel sem o desvalorizar.

VI. Com efeito, em relação às obras e melhoramentos introduzidos no imóvel pelos locatários, que não sejam “peças” ou “elementos acessórios” nele incorporados, vale a remissão do corpo do n.º 2 do art. 9.º do DL n.º 149/85 para os «direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma», a qual, na presente matéria, constitui uma remissão para o regime dos arts. 1046.º, n.º 1, e 1273.º, n.º 1 do CC.

VII. Acolhendo um conceito funcional de benfeitorias necessárias da jurisprudência do STJ, segundo o qual são benfeitorias necessárias «os melhoramentos indispensáveis à manutenção (conservação) e funcionamento da coisa enquanto unidade económica, apta a desempenhar a função ou actividade para a qual foi destinada ou que nela tem vindo a ser exercida», não merece censura o juízo do acórdão recorrido segundo o qual a locadora deveria ser condenada a pagar aos locatários «pelos gastos que tiveram de suportar com as obras que executaram, sem as quais não podia o referido imóvel ser utilizado para o fim a que se destinava – estabelecimento de restauração e bebidas».

Fonte: https://www.dgsi.pt

 




O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados disponibiliza a presente newsletter. Esta compilação não pretende ser exaustiva e não prescinde a consulta das versões oficiais destes e de outros textos legais.