PROCESSO N.º 302/19.2PABCL.G1 Tribunal da Relação de Guimarães

Data
14 de setembro de 2020

Descritores
Violência doméstica
Elementos típicos do ilícito
Indemnização
Arbitramento oficioso
In dubio pro reo

Sumário
I. O princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos: após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido, perante a persistência de uma dúvida razoável sobre os factos decisivos para a solução da causa. Normalmente, a imputação de uma alegada violação desse princípio suscita a necessidade de ser demonstrado o erro na apreciação da prova produzida, com vista a evidenciar no recurso a carência de prova de que os factos imputados ao arguido foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância de que a lei faz depender a punibilidade do mesmo.
II. No que concerne ao crime de violência doméstica previsto no art. 152º, do C. Penal, o tipo de ilícito, integrado no título dedicado aos crimes contra as pessoas e, dentro deste, no capítulo relativo aos crimes contra a integridade física, visa tutelar, não a comunidade familiar e conjugal, mas sim a pessoa individual na sua dignidade humana, abarcando, por isso, os comportamentos que lesam esta dignidade, podendo o bem jurídico protegido complexo – a saúde física, psíquica e mental – ser atingido por todos os comportamentos que afectem a dignidade pessoal da vítima.
III. Embora, em certos casos, uma só conduta, pela sua excepcional violência e gravidade, baste para considerar preenchida a previsão legal, tal crime pode unificar, através do elemento da reiteração – ainda que este seja hoje um requisito não imprescindível – uma multiplicidade de condutas que, consideradas isoladamente, poderiam integrar vários tipos legais de crime, mas que, pela subsunção a uma única previsão legal, deixam de ter relevância jurídico-penal autónoma: a realização repetida do tipo ou a realização repetida de actos parciais – quer estes actos integrem, ou não, em si mesmos, outros tipos de crime – não exclui a unidade de acção típica, não há pluralidade de crimes, mas pluralidade no modo de execução do crime.
IV. Necessário é aferir se a conduta do agente caracteriza um quadro global de agressão que evidencie um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal da vítima que permita classificar a situação como de um risco qualificado para a sua saúde psíquica e com a configuração global de desrespeito pela sua pessoa ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, o que ocorre «quando, em face do comportamento demonstrado, for possível formular o juízo de que o agente manifestou desprezo, desejo de humilhar, ou especial desconsideração pela vítima».
V. O artigo 21º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16/9, impõe o arbitramento oficioso de indemnização à vítima de crime de violência doméstica, excepto havendo oposição da sua parte, remetendo para a aplicação do art. 82º-A do CPP.
VI. Não se admite o conhecimento da pretensão recursiva de redução de um quantum indemnizatório arbitrado oficiosamente à vítima em € 5.000, por força do disposto nos arts. 400º, n.º 2, do CPP, e 44º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26/8 (Lei de Organização do Sistema Judiciário).

Fonte: http://www.dgsi.pt/




O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados disponibiliza a presente newsletter. Esta compilação não pretende ser exaustiva e não prescinde a consulta das versões oficiais destes e de outros textos legais.