PROCESSO N.º 302/17.7PATVD.L1.S1 Supremo Tribunal de Justiça

Data
22 de abril de 2021

Descritores
Contagem de prazos
Prisão preventiva
COVID-19
Nulidade
Omissão de pronúncia
Recurso penal
Resposta
Irregularidade
Inconstitucionalidade
Princípio do contraditório
Direito de defesa
Tráfico de estupefacientes
Medida da pena

Sumário

I – Tratando-se de processo urgente, com arguidos em situação de prisão preventiva, os prazos judiciais não se suspenderam, nos termos do disposto no n.º 7, do art. 7.º, da Lei 1-A/2020 de 19.03 (Medidas excepcionais por força da Covid-19).

II – O ora recorrente foi notificado, na pessoa do seu mandatário constituído, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 413. º, n.º 1, do CPP, por carta datada de 04-03-2020. Apenas em 23-06-2020 (no dia anterior à remessa do processo ao TRL) apresentou a sua resposta à motivação. Vem arguir a nulidade do recorrido acórdão, consubstanciada em omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar, e suscitadas na sua resposta apresentada ao recurso interposto pelo MP, junto do tribunal de 1.ª Instância, conforme expressamente cominada no art. 379.º, nº 1, al. c), do CPP.

III – Verifica-se a nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre questão ou questões que lhe são colocadas, ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – al. c), do n.º 1, do art. 379.º, do CPP. E, de acordo com o disposto no n.º 2 deste preceito: “As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º”.

IV – No caso dos autos, alega o recorrente, invocando a CRP – art. 32.º, n.º 1 -, que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, consagrando expressamente no seu n.º 5, o princípio do contraditório, princípio esse, integrante do núcleo essencial do processo criminal, que em sede de recurso se traduz na reapreciação da questão por um tribunal superior, tendo os juízes o dever de ouvir as razões de acusação e da defesa em relação a assuntos sobre os quais tenham de proferir uma decisão.

V – Compulsados os autos não se vislumbra que a resposta do arguido ao recurso do MP, interposto em 1.ª Instância, tenha sido objecto de qualquer despacho judicial, quer no Tribunal de 1.ª Instância, quer no Tribunal da Relação e, nomeadamente, no momento de elaboração do acórdão. E só pode ser equacionada a verificação da nulidade do art 379.º, nº 1, al. c), do CPP, relativamente a vício de que enferme a decisão recorrida, ou seja, in casu, o acórdão do TRL. A omissão de pronúncia/decisão referida a um despacho não passa de uma irregularidade. Havendo resposta de um arguido a recurso interposto contra si pelo MP, o tribunal de recurso deve tê-la em conta, inteirando-se, nomeadamente, da argumentação oposta à motivação do Ministério Público. Mas não tem de proferir oficiosamente decisão sobre a sua tempestividade. Só no caso de considerar intempestiva a sua apresentação é que se impõe decisão nesse sentido. Decisão que, com propriedade, deve ser do relator, fora do acórdão que decide o recurso, e só impugnável por meio de reclamação para a conferência, nos termos do art. 652.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, ex vi art. 4.º, do CPP. Se na resposta não é suscitada qualquer questão diferente das suscitadas pelo recorrente, limitando-se o respondente a contrariar os argumentos utilizados na motivação de recurso, a ausência de referência expressa por parte da Relação, no seu acórdão, ao conteúdo da resposta não integra a nulidade de omissão de pronúncia – arts. 379.º, nº 1, al. c) e 425.º, nº 4, – uma vez que a única ou as únicas questões suscitadas são as do recorrente e a nulidade apontada só se configura com a falta de decisão na sentença ou acórdão de questão suscitada ou de conhecimento oficioso. No presente caso, o TRL, no seu acórdão, ignorou, no pressuposto errado de que não fora apresentada, a resposta oposta pelo arguido à motivação de recurso do MP. Não se suscitando nessa peça qualquer questão diferente das suscitadas na motivação de recurso, das quais o TRL conheceu, a ignorância, por erro, da resposta do arguido não representa falta de decisão sobre qualquer questão que devesse ser decidida, havendo apenas uma irregularidade, à luz do disposto no art. 118.º, nºs 1 e 2, do CPP, a qual, por não ter sido arguida no prazo de 3 dias a contar da notificação do acórdão, se sanou.

VI – Este entendimento não representa qualquer compressão desproporcionada do direito de defesa do arguido, uma vez que nada mais se lhe exigia, por intermédio do seu defensor, do que, depois de lida a parte do acórdão que se lhe referia, vir ao processo dizer que não era exacta a afirmação de que não houvera resposta, arguindo a respectiva irregularidade. O que não fez. Improcede, deste modo, a nulidade por omissão de pronúncia invocada pelo arguido.

VII – Nos termos do art. 40.º, do CP, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no art. 71.º do mesmo diploma. Como se tem reiteradamente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (art. 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva.

VIII – A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pelas necessidades de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (finalidade de prevenção geral) e de ressocialização (finalidade de prevenção especial), em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, avaliada, em concreto, por factores ou circunstâncias relacionadas com este e com a personalidade do agente, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele (arts. 40.º e n.º 1, do 71.º, do CP).

IX – Como se tem reafirmado, para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o art. 71.º, n.º 2, considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os factores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e)], com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial (sobre estes pontos, para melhor aproximação metodológica na determinação do sentido e alcance da previsão do art. 71.º, do CP.

X – Há que, como se acentuou, ponderar as exigências antinómicas de prevenção geral e de prevenção especial, em particular as necessidades de prevenção especial de socialização “que vão determinar, em último termo, a medida da pena”, seu “critério decisivo”, com referência à data da sua aplicação, tendo em conta as circunstâncias a que se refere o art. 71.º, do CP, nomeadamente as condições pessoais do agente e a sua situação económica e a conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando esta tenha em vista a reparação das consequências do crime, que relevam por esta via.

XI – Diga-se, ainda que, o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, protector de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública.

XII – A criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes tem um efeito devastador sobre a saúde e mesmo sobre a vida dos consumidores, relevando ainda como potencialmente desestruturante da tranquilidade social comunitária. O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, ansiando a sociedade por uma diminuição deste tipo de criminalidade e a uma correspondente consciencialização de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas nos crimes em referência, como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade. As exigências de prevenção geral são, pois, de acentuada intensidade. As imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores. Elementos de referência na determinação da pena são o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das consequências.

XIII – Ponderando o seguinte: a natureza da droga traficada (canábis/resina), que a arguida colocou nos circuitos de revenda e consumo onde actuavam os demais arguidos e a quantidade da mesma, 527 bolotas (canábis/resina), com o peso liquido de 4.920,00 g. (grau de pureza de 20,6%), suficientes para efectuar 20.270 doses individuais e € 305,00 (trezentos e cinco euros);o modo de execução dos crimes praticados que revela uma considerável preparação técnica, sendo o tráfico efectuado com utilização de logística sofisticada, usando estratagemas para assegurar o sucesso das aquisições para posterior revenda, como seja, a compra de veículos automóveis antigos e com determinadas características que lhe permitisse acondicionar a droga sem correr riscos de a mesma vir a ser encontrada pelos OPC; a duração da actividade delituosa que ocorreu entre Fevereiro e Julho de 2018 (mais precisamente a 1 de Julho, data em que foi detida, (e não cerca de um ano como se refere no acórdão ora recorrido); o grau de ilicitude do facto, a intensidade muito elevada da actividade desenvolvida, desdobrando-se em contactos, com viagens a Espanha e ao Algarve; o dolo, que no caso em apreço, é muito intenso; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, ou seja, obtenção de proveitos económicos e o modo de execução do crime, revelador de eficácia e determinação, com actos de venda de cannabis a terceiros; as necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se impõem com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que os consubstanciam; as condições pessoais da arguida e a sua situação económica: desenvolveu a sua personalidade num ambiente familiar coeso e estudou até ao 12.º ano de escolaridade, não tendo prosseguido por falta de meios económicos. Teve uma relação marital que perdurou por 11 anos, da qual nasceram 3 filhas, uma das quais com problema congénito de nanismo. Viveu cinco anos exclusivamente dedicada às suas filhas, principalmente a mais nova, que suscita particulares cuidados até conhecer o outro arguido, com quem se envolveu e de quem teve duas filhas, a mais nova das quais esteve junto de si durante o período em que se encontrou em situação de prisão preventiva. Trabalhou durante cerca de 14 anos no departamento financeiro de uma empresa, tendo optado por sair para se dedicar a uma ocupação laboral com horário mais flexível e que poderia melhor adequar às exigências dos cuidados a prestar à sua filha com necessidades especiais. No termo da sua relação com aquele arguido conheceu X com quem se viria a envolver. Identifica-se nas condições pessoais da arguida um quadro de precariedade socioeconómica e de instabilidade afetiva refletidos num défice de competências para gerir responsabilidades, num contexto de ausência e precariedade de recursos disponíveis. Mostra-se capaz de racionalizar e superar as emoções negativas relacionadas com a presente situação e de perspetivar a ilicitude dos factos que cometeu. Acrescem ainda as circunstâncias altamente censuráveis de se fazer acompanhar pelas filhas ou usar contas bancárias por elas tituladas para efectuar pagamentos relacionados com aquisições de droga.

XIV- A favor da arguida regista- se, apenas, o facto de não ter antecedentes criminais.

XV – Dito isto, a ora recorrente não apresenta antecedentes criminais, sendo esta a primeira advertência formal que recebe do sistema. Experienciou a situação de reclusão, o que constitui bastas vezes marco determinante para inflexão num percurso disruptivo face às normas que vigoram na ordem jurídica. Tem cinco filhas, a quem se tem dedicado, sendo-lhe reconhecidas competências enquanto mãe no relatório social elaborado pela DGRSP. Os factos assumem uma gravidade muito elevada, não tendo a arguida manifestado qualquer arrependimento. As exigências de prevenção geral são, pois, de acentuada intensidade. As imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores.

XVI – No entanto, há que encontrar o justo equilíbrio entre as imposições de prevenção especial e as exigências de prevenção geral, sendo que, neste caso em concreto, estas se sobrepõem àquelas.

XVII – Recorde-se que a pena abstracta pela prática deste ilícito (tráfico de estupefacientes) é fixada entre 4 e 12 anos de prisão. E que lhe foi aplicada na 1.ª Instância a pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução (com regime de prova), revertida para 6 anos de prisão efectiva na Relação.

XVIII – Tendo em conta tudo o exposto e ponderando cada uma das circunstâncias em que ocorreram os factos, aliadas ao percurso pessoal da recorrente, concluímos que a pena adequada, proporcional e justa, no seu caso em concreto, é de 6 anos de prisão, pena esta que cumpre a medida necessária para se realizarem as finalidades da punição.

XIX – Improcede assim, a pretensão da recorrente, mantendo-se a pena aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

XX – Nos termos do disposto no art. 50.º, do CP, não há lugar à suspensão da pena.

XXI – Alega o recorrente, em síntese, que não tem antecedentes criminais averbados no seu CRC, que esteve em situação de prisão preventiva 1 ano e 6 meses, e que resulta do relatório social que está positivamente enquadrado familiar e socialmente, trabalha e tem meios e projectos de vida, vinculação afectiva ao filho, e revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre a ilicitude e gravidade dos factos. Entende que deve ser feito um juízo de prognose favorável à sua reinserção e manter a pena que lhe foi aplicada em sede de 1.ª Instância.

XXII – O arguido não tem quaisquer condenações averbadas no seu registo criminal. Nasceu em 19.01.1990, tendo 28 anos de idade à data da prática dos factos. Passou pela sua primeira experiência de reclusão. Do Relatório Social elaborado pela DGRSP, consta o seguinte quanto às suas condições pessoais, características e percurso de vida: o processo de desenvolvimento do arguido decorreu no seio de uma família que lhe permitiu interiorizar regras e valores socialmente ajustados. O seu percurso escolar foi marcado pela dislexia que lhe foi diagnosticada logo no início do primeiro ciclo do ensino básico, tendo apenas concluído o 7.º ano de escolaridade, com cerca de 16 anos. Já em adulto, frequentou curso de dupla certificação de cozinha, que o habilitou com o 9.º ano de escolaridade. Trabalhou em atividades indiferenciadas ligadas à montagem de estruturas para eventos (palcos), na montagem de fibra óptica e como aprendiz de mecânica. Posteriormente à formação de cozinha, passou a trabalhar na área da restauração e cozinha em vários restaurantes, situação que se verificou durante cerca de quatro anos. Estabeleceu, aos 22 anos de idade, um relacionamento de união de facto, no âmbito do qual foi pai de um rapaz nascido a 17.11.2013. Este relacionamento terminou cerca de um ano antes da prisão do arguido.

XXIII – Iniciou o consumo de haxixe, segundo o mesmo refere, com cerca de 21 anos de idade, afirmando que manteve até à data da prisão um consumo esporádico, apenas em situações de lazer. Não apresenta anteriores contactos com o Sistema de Justiça. Anteriormente à prisão, o arguido integrava o agregado familiar dos pais, o pai com 75 e a mãe com 66 anos de idade, ambos reformados. O agregado familiar reside em casa própria descrita como oferecendo boas condições de habitabilidade. A família dispõe de uma situação económica desafogada. À altura, o arguido tinha-se separado da companheira há cerca de um ano e o filho de ambos permanecia em semanas alternadas, ora em casa da mãe, ora em casa do pai e avós. Atualmente, o menor vive com a mãe. Segundo a progenitora do arguido, esta companheira terá tido uma influência negativa no percurso de vida do arguido e terá contribuído para alguma instabilidade no seu percurso profissional, sobretudo ao nível da mobilidade. Refere, ainda, que a companheira do arguido protagonizava episódios de violência doméstica sobre este, situação que este procurava esconder dos pais, mas que terá sido presenciado pelo filho do casal. Anteriormente à prisão, o arguido estava desempregado. O arguido é descrito como um individuo que apresenta alguma permeabilidade à influência de terceiros. No seio familiar e na vizinhança, mantinha uma atitude ajustada. No meio de residência, onde sempre viveu, a família goza de uma imagem positiva que se estende ao arguido e, apesar da sua atual situação jurídico-penal ser do conhecimento público, não existem indicadores de rejeição à sua presença. Durante o período em que esteve preso preventivamente, o arguido manteve comportamento de acordo com as normas da instituição, não apresentando registo de infrações disciplinares. A nível ocupacional, frequentou curso de formação profissional modular de “Manutenção de Edifícios” com a duração de 340 horas. O arguido recebe visitas assíduas dos pais e do filho e regulares dos irmãos e alguns amigos. Os progenitores manifestam disponibilidade para o apoiarem incondicionalmente. O arguido tem como projeto de vida voltar a integrar o agregado familiar dos progenitores. A nível laboral pretende, logo que tal seja possível dedicar-se à agricultura, dispondo de hipótese de se inserir numa exploração de agricultura biológica de um amigo da família e mais tarde montar a sua própria exploração agrícola, contando com o apoio dos progenitores para a sua realização. Revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre factos de natureza idêntica aos que lhe deram origem, reconhecendo a sua ilicitude e gravidade. A atual situação jurídico-penal não teve impacto negativo na situação familiar do arguido que continua a contar com o apoio dos elementos da sua família de origem.

XXIV – Ponderando estes factos e todos os outros assentes nas instâncias, resulta que: a natureza da droga traficada: duas bolotas de canábis/resina com o peso líquido de 15,818 g.; um panfleto de cocaína (cloridrato) com peso líquido de 0,667 g. (pureza de 98,8%) suficiente para 3 doses individuais; dez bolotas de canábis/resina com o peso líquido de 90,636 g. (grau de pureza de 24,8%), suficiente para realizar 449 doses individuais; três bolotas de heroína, com o peso líquido de 37,880 g. (grau de pureza de 34,4%), suficiente para efectuar 130 doses individuais; meia (1/2) bolota de canábis/resina, com o peso líquido de 5,666 g. (grau de pureza de 28,3%), suficiente para efectuar 32 doses individuais; um saco contendo cocaína, com o peso líquido de 64,369 g. (grau de pureza de 96,7%), suficiente para efectuar 311 doses individuais; um saco com 5 panfletos de MDMA, com o peso líquido de 3,992 g. (grau de pureza de 66,2%), suficiente para efectuar 26 doses individuais; um saco contendo MDMA, com o peso líquido de 44,390 g. (grau de pureza de 72,9%), suficiente para efectuar 323 doses individuais e cinco panfletos, contendo cocaína, com o peso líquido de 23,093 g. (grau de pureza de 31,7%), suficiente para efectuar 36 doses individuais; o modo de execução dos crimes praticados que revela uma considerável preparação técnica, sendo o tráfico efectuado com utilização de logística já sofisticada, usando estratagemas para assegurar o sucesso das aquisições para posterior revenda, como seja, a compra de veículos automóveis antigos e com determinadas características que lhe permitisse acondicionar a droga sem correr riscos de a mesma vir a ser encontrada pelos OPC; a duração da actividade delituosa que ocorreu entre Abril a Julho de 2018 (e não cerca de um ano como se refere no acórdão ora recorrido); o grau de ilicitude do facto, a intensidade muito elevada da actividade desenvolvida, desdobrando-se em contactos, com viagens a Espanha e ao Algarve; o dolo que, no caso em apreço, é muito intenso; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, ou seja, obtenção de proveitos económicos e o modo de execução do crime, revelador de eficácia e determinação, com actos de venda de cannabis, heroína e cocaína a terceiros; as necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se impõem com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que os consubstanciam; as condições pessoais do arguido e a sua situação económica: o arguido encontra-se desempregado, residindo com a mãe; os progenitores manifestam disponibilidade para o apoiarem incondicionalmente. A favor do arguido regista- se, apenas, o facto de não ter antecedentes criminais. Experienciou a situação de reclusão, o que constitui bastas vezes marco determinante para inflexão num percurso disruptivo face às normas que vigoram na ordem jurídica. No entanto, os factos assumem uma gravidade muito elevada. As exigências de prevenção geral são, pois, de acentuada intensidade. Como se teve a oportunidade de dizer quanto à sua co-arguida, as imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores. E ainda que, há que encontrar o justo equilíbrio entre as imposições de prevenção especial e as exigências de prevenção geral, sendo que, também no caso em concreto do recorrente, estas se sobrepõem àquelas. Recorde-se que a pena abstracta pela prática deste ilícito (tráfico de estupefacientes) é fixada entre 4 e 12 anos de prisão. E que lhe foi aplicada na 1.ª Instância a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução, por igual período, cm regime de prova, de acordo com Plano de Reinserção Social a elaborar pelos serviços da DGRSP, revertida para 6 anos de prisão efectiva por decisão, agora em recurso, do Tribunal da Relação de Lisboa. Ponderando tudo o exposto, concluímos que a pena adequada, proporcional e justa, no caso em concreto do recorrente, é de 6 anos de prisão, a qual cumpre a medida necessária para se realizarem as finalidades da punição. Improcede, deste modo, a pretensão do recorrente.

Fonte: https://www.dgsi.pt




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