PROCESSO N.º 3007/17.5T8BCL-A.G1 Tribunal da Relação de Guimarães

Data
5 de novembro de 2020

Descritores
Alteração do regime de atribuição da casa de morada de família
Ineptidão da petição inicial
Convite ao aperfeiçoamento

Votação

MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC

Sumário

1) A alteração do regime fixado quanto à atribuição da casa de morada de família pedida nos termos dos artºs 1793º, do CC, e 990º, do CPC, constitui um incidente sujeito à disciplina adjectiva do processo especial de jurisdição voluntária.

2) Mesmo na jurisdição contenciosa e no processo comum, fruto da evolução da respectiva filosofia jurídica no sentido de potenciar as decisões de mérito em detrimento das de forma e em que, por isso, as regras mais rígidas emanadas do princípio dispositivo cederam às mais flexíveis inspiradas no do inquisitório, assim ampliando as possibilidades de intervenção oficiosa do juiz, o ónus de alegação dos factos essenciais à procedência da pretensão está hoje mais atenuado.

3) Daí que o sentido e alcance da ineptidão geradora da nulidade de todo o processo quando fundada na falta de causa de pedir devam entender-se e aplicar-se em conformidade com aquela perspectiva e em função de um conceito de tal elemento mais ajustado à mesma.

4) Não se concebendo que o processo de jurisdição voluntária, apesar dos seus princípios e regras específicos, possa, de todo, prescindir de um pedido do interessado e da alegação de uma causa de pedir que baseie a intervenção judicial, este pressuposto deve considerar-se mitigado e as exigências de alegação mais flexíveis.

5) Se, em requerimento, um dos ex-cônjuges peticiona, nos termos dos artºs 990º, nº 1, CPC, e 1793º, nº 1, CC, invocados, que seja alterado o regime de utilização da casa de morada de família (antes fixado, como de utilização conjunta até à partilha) para utilização exclusiva, existe pedido formulado, claro e conciso.

6) Se no mesmo requerimento se alegou que o requerido “mudou as fechaduras” para impedir o acesso da autora à casa e “sempre que ultimamente” ela se lá procura deslocar, ele “não só a impede como a ameaça de morte” e afirma que “alguém o fará”; a habitação conjunta “é totalmente impossível” porque “já correram autos de violência doméstica contra o réu”; foi por isso que a requerente “se viu obrigada a deixar a habitação” e “tendo arrendado um apartamento” onde vive mas que “tem muitas dificuldades em manter” porque “vive apenas da sua magra reforma” e “não tem possibilidades económicas”; em contrapartida, o requerido “deixou de dormir e confeccionar as suas refeições” na dita casa porque o faz na “da companheira com quem vive”, “retirou” dela “muito do seu recheio”, auferindo ele reforma “choruda” – existe causa de pedir e a petição não é inepta uma vez que estão, mínima e concretamente, alegados factos supervenientes com base nos quais entende dever alterar-se o decidido antes e ser-lhe atribuído tal direito em exclusivo (artº 990º, nº 1, CPC).

7) A insuficiência ou imprecisão do requerimento podem ser colmatadas não só por via do convite ao seu aperfeiçoamento (artº 590º, nº 2, alínea b), e 4), como pelo da consideração de factos relevantes e a esse respeito resultantes da instrução (artº 5º, nº 2) como, ainda, da investigação livre dos factos e das diligências que (como a requisição de documentos) para tal forem entendidas como convenientes, vias estas cometidas ao juiz (artºs 986º, nº 2, e 990º, nº 3).

Fonte: https://www.dgsi.pt




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