PROCESSO N.º 2804/18.9T8CSC.L1-2 Tribunal da Relação de Lisboa
Data
21 de maio de 2020
Descritores
Contrato de arrendamento
Falta de pagamento da renda
Abuso do direito
Fiança
Aplicação da lei no tempo
Sumário
I) O locatário incorre em mora sempre que não cumpra pontualmente a obrigação de pagar a renda, pelo montante total, no dia do vencimento e no lugar de pagamento.
II) A falta de pagamento de rendas enquanto fundamento de resolução do contrato passou a estar delineada no regime do NRAU de 2006 com um requisito adicional: a mora tinha de durar há mais de três meses. Com o NRAU de 2012, passa a ser de dois meses. Nessas situações, a mora é suficiente como fundamento de despejo, considerando-se inexigível a manutenção do arrendamento, a não ser que ocorra abuso do direito do senhorio.
III) O abuso do direito é de conhecimento oficioso pelo Tribunal.
IV) Nos termos do artigo 1041.º, n.ºs. 5 e 6 do CC, na redação dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro – vigorando desde 13-02-2019 -, caso exista fiança e o arrendatário não cesse a mora, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida, apenas podendo exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito depois de efetuar a mencionada notificação.
V) No caso em apreço, a exigibilidade do cumprimento das obrigações a cargo do fiador do arrendatário não dependia de qualquer notificação do senhorio ao fiador, estando plenamente constituída tal situação jurídica à data de entrada em vigor da referida Lei n.º 13/2019.
VI) A mora não purgada do locatário, enquanto elemento constitutivo da responsabilização do fiador, constituía assim uma condição da ação, ou seja, elemento necessário para a procedência da pretensão deduzida, que se deveria verificar à data da instauração da pretensão, ainda que só em sede de decisão final se viesse a apurar se estava ou não verificado.
VII) Aos factos constitutivos da pretensão da autora, fundada na mora do locatário e no não cumprimento da obrigação a cargo do fiador, é aplicável a lei em vigor à data em que tais factos ocorrem, ou seja, no caso, inteiramente sob a égide da lei antiga, aí se consolidando.
VIII) Os n.ºs 5 e 6 do artigo 1041.º do CC, na redação da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, não visam factos e efeitos totalmente passados, aditando condições antes não previstas para a exigibilidade da prestação do fiador. Tais normativos estabelecem novas condições para a exigibilidade de tal prestação, mas, tão só, para as relações jurídicas que nasçam na sua vigência e para as que subsistiam à data da sua entrada em vigor, mas, nas quais, ainda não se tivesse constituído a situação de mora do locatário. Nas demais, como a dos presentes autos, é aplicável a lei antiga.
Fonte: http://www.dgsi.pt/