PROCESSO N.º 266/20.0PGLRS.L1-9 Tribunal da Relação de Lisboa
Data
15 de abril de 2021
Descritores
Estado de emergência
COVID 19
Situação de emergência/calamidade
Crime de desobediência agravada
Violação do dever geral de recolhimento domiciliário
Sumário
I- Face à recente situação de calamidade por pandemia, ante a propagação da doença contagiosa denominada Covid-19, foi declarado o Estado de Emergência e foi estabelecido o dever geral de recolhimento domiciliário, comum aos Decretos 2-A/20202, 2-B/2020 e 2-C/2020, seu art.º 5º, competindo às forças de segurança zelar e fiscalizar o cumprimento de tal dever, nos termos do art.º 46º do Decreto 2-C/2020;
II- O facto de os arguidos estarem na via pública à conversa com outros indivíduos, em situação de convívio social, não é umas das excepções ao dever geral de recolhimento, nem, considerada a sua ratio, se pode considerar uma actividade de natureza análoga às demais elencadas, não se verificando qualquer motivo de força maior ou qualquer necessidade impreterível que tenha obrigado os arguidos a tal conduta – art.º 5º, n.º 1, al. u), pelo que deverão ser condenados pela pratica de um crime de desobediência, tendo sido advertidos previamente em data pretérita pelas forças de segurança, quando se encontavam em idêntica situação na via pública;
III- A resistência e a desobediência a ordens legítimas das autoridades competentes, quando tal desobediência ou resistência implique uma violação dos deveres impostos no Decreto 2-C/2020, é sancionada nos termos da lei penal – art.º 46º, n.º 7;
IV- Ora, sendo legítima a ordem para os cidadãos regressarem ao seu domicílio, e tendo as forças de segurança cominado/advertido a prática de um crime de desobediência para os cidadãos, estes, quando sejam novamente fiscalizados em incumprimento de tal dever, podem e devem as forças de segurança, nesse caso, proceder desde logo à sua detenção e apresentá-los em Tribunal para serem sujeitos a julgamento sob a forma de processo sumário;
V- De facto as autoridades têm o poder de, legitimamente, dar ordens aos cidadãos para que regressem ao seu domicílio, advertindo-os de que, caso voltem a incumprir tal dever geral, incorrerão na prática de um crime de desobediência, motivando a sua detenção e sujeição a julgamento pela prática de tal crime, e a cominação da prática de um crime de desobediência não tem de ser renovada cada vez que o cidadão incumpre o dever de recolhimento domiciliário. Neste contexto, perante o teor dos Decretos do Presidente da República e das Resoluções da Assembleia da República de 2/4 e 17/4, não é defensável que a violação do dever geral de recolhimento não tem qualquer consequência penal, e que não comporta a prática de um crime de desobediência, ficando os poderes das forças policiais a meras “sensibilizações”, “aconselhamentos” e “recomendações”, pois que estas têm o poder de, legitimamente, dar ordens aos cidadãos para que regressem ao seu domicílio, advertindo-os de que, caso voltem a incumprir tal dever geral, incorrerão na prática de um crime de desobediência, motivando a sua detenção e sujeição a julgamento pela prática de tal crime;
VI- De outra forma o Estado estaria a prescindir da sua autoridade, deixando que à boa vontade dos cidadãos o cumprimento do dever geral de recolhimento domiciliário, pois que o seu incumprimento apenas poderia dar lugar a uma recomendação ou aconselhamento para regressar ao domicílio, o que não só enfraqueceria desmesuradamente o comando ínsito na norma como frustraria a contenção da pandemia, sendo certo que a responsabilidade penal do cidadão encontrará sempre suporte legal nos art.º 7º, da Lei 44/86, art.º 5º do Decreto do Presidente da República n.º 20-A/2020, de 17/4, art.º 5º da Resolução da Assembleia da República n.º 23-A/2020, de 17/4, art.º 46º, n.º 7, do Decreto 2 C/20202, de 17/4, ainda que se exija a prévia cominação por parte das autoridades policiais, nos termos do art.º 348º, n.º 1, b), do Código Penal, (como atrás de referiu já) a qual, no presente caso, efectivamente até existiu.
Fonte: https://www.dgsi.pt