PROCESSO N.º 2294/17.3T9VFR.P1 Tribunal da Relação do Porto
Data
04 de novembro de 2020
Descritores
Crime de difamação
Honra
Factos
Juízos de valor
Causa de exclusão punibilidade
Causa de exclusão da ilicitude
Liberdade de expressão
Conflito de direitos
TEDH
Sumário
I – A ofensa à honra no crime de difamação pode ser perpetrada através da imputação de factos ou da formulação de juízos.
II – Quando se trate da imputação de factos, ainda que sob a forma de suspeita, a conduta não é punível caso se verifiquem os pressupostos de exclusão de punibilidade do artigo 180º nº 2 do CP.
III – Já quando se trate da formulação de juízos, a exclusão da ilicitude não está regulada nesse preceito mas sim na norma geral do artigo 31º do CP.
IV – Tanto o direito à liberdade de expressão como o direito à honra têm consagração constitucional (art.ºs 37º e 26º da CRP), sendo que nenhum se pode afirmar de forma absoluta sobre o outro.
V – Verificado que seja um conflito entre tais direitos, deverá procurar-se uma solução que passará pela realização óptima de cada um deles, harmonizando-os segundo um princípio de concordância prática, para o que se deverá atender aos dados do caso concreto, usando-os segundo critérios de proporcionalidade, razoabilidade e adequação.
VI – Necessária se tornará a compressão do direito á honra para salvaguarda da liberdade de expressão, no qual se inclui o direito à crítica objectiva, que se vem traduzindo, na prática jurisprudencial, na exigência da verificação de ataques à honra ou reputação social com certo nível de gravidade, pois só nestas circunstâncias uma eventual condenação, com base na violação desse direito, não poderá ser considerada uma interferência ilegítima no direito de liberdade de expressão, consagrado no art.º 10º, § 1º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
VII – O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem indicando as características básicas que definem uma sociedade democrática e o papel que nela desempenha a liberdade de expressão, não se cansando de repetir, que o regime democrático é o único compatível com o sistema instituído pela Convenção Europeia.
VIII – Características básicas de um qualquer regime democrático estão as noções de pluralismo, de tolerância e de espírito de abertura.
IX – O Tribunal Europeu tem sustentado consistentemente que a liberdade de expressão está no coração de um regime democrático, sendo muito liberal na protecção da liberdade de expressão, particularmente no domínio político, e isso, mesmo que a linguagem empregue seja objectivamente ofensiva e até algo provocatória, ou ainda que se trate de ideias que choquem ou perturbem.
X – Como adverte Manuel da Costa Andrade, o exercício do direito de crítica tende a provocar situações de conflito potencial com bens jurídicos como a honra e cuja relevância jurídico-penal está à partida excluída por razões de atipicidade. Tal vale, designadamente para os juízos de apreciação e valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc., ou sobre prestações conseguidas no domínio do desporto e do espectáculo.
XI – Segundo o entendimento hoje dominante, na medida em que não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores – os juízos de valor caem já fora da tipicidade de incriminações como a Difamação. A atipicidade afasta, sem mais e em definitivo, a responsabilidade criminal do crítico, não havendo, por isso, lugar à busca da cobertura de uma qualquer dirimente da ilicitude.
XII – Para além disso, devem ainda considerar-se atípicos os juízos de facto feitos no contexto de uma valoração crítica objectiva, pressuposta a prova da verdade, como sucederá com a denúncia de que um trabalho de investigação assenta em plágio; ou a afirmação de um crítico desportivo que atribui a prestação de um atleta ao facto de ele actuar sob a influência de estimulantes proibidos pelos regulamentos.
XIII – Contudo, e como adverte Manuel da Costa Andrade, já não poderão considerar-se atípicos os juízos que, no extremo oposto, atingem a honra e consideração pessoal, perdendo todo e qualquer ponto de conexão com a prestação ou obra que, em princípio, legitimaria a crítica objectiva.
Fonte: https://www.dgsi.pt