PROCESSO N.º 2052/19.0T8BRG.G1.S1 Supremo Tribunal de Justiça
Data
27 de abril de 2022
Descritores
Contrato de arrendamento
Arrendamento para fins não habitacionais
Interpretação da declaração negocial
Transação judicial
Vontade real dos declarantes
Impressão do destinatário
Cláusula contratual
Denúncia
Comunicação
Senhorio
Arrendatário
Oposição
Atualização de renda
Sumário
I – O regime legal da interpretação dos negócios jurídicos está concentrado, quanto às suas regras gerais, nos arts. 236.º a 239.º do CC.
II – Podendo afirmar-se, sem prejuízo de tais regras, que a primeira regra de interpretação até será a vontade real comum, o sentido subjetivo comum, ou seja, se há consenso das partes, do declarante e do declaratário, sobre o sentido da declaração, é de acordo com ele que a declaração deve ser interpretada.
III – Estando a segunda regra contida no art. 236.º, n.º 2, do CC, segundo a qual, em caso de divergência entre o sentido subjetivo da declaração e o seu sentido objetivo, prevalece o sentido subjetivo desde que o declaratário o conheça (em conformidade com o ditame da velha máxima falsa demonstrativo non nocet).
IV – E, em caso de divergência entre o sentido subjetivo da declaração e o seu sentido objetivo, desconhecendo o declaratário a vontade real do declarante, prevalece, segundo a terceira regra, contida no art. 236.º, n.º 1, do CC, o sentido objetivo da declaração, salvo se o declarante não puder contar com ele, isto é, desde que tal sentido não colida com a expetativa razoável do autor da declaração: é a chamada teoria da impressão do destinatário.
V – Assim, não havendo acordo das partes quanto à vontade real comum que presidiu ao texto de cláusula duma transação judicial e nada se tendo provado em termos do que era a vontade real dos declarantes, ficamos, em termos interpretativos, circunscritos/confinados à aplicação da regra contida no art. 236.º, n.º 1, do CC, pelo que, dizendo-se no texto da cláusula que o contrato de arrendamento “fica sujeito ao regime do NRAU com efeitos desde 01-06-2018”, a interpretação da cláusula tem que ir no sentido de considerar que o contrato de arrendamento existente entre as partes ficou submetido ao NRAU em 01-06-2018 e não que o contrato de arrendamento fica sujeito ao regime do NRAU no prazo que estiver e/ou vier a ser previsto no art. 54.º, n.º 1, do NRAU (prazo que, após a data da transação, foi majorado de 5 para 10 anos e que nesta interpretação da cláusula faria o contrato ficar submetido ao NRAU apenas em 01-06-2023).
VI – Decorrido o prazo/período (previsto no art. 54.º, n.º 1, do NRAU) de suspensão da possibilidade de operar a transição do contrato para o NRAU, pode o senhorio promover novamente essa transição, remetendo, para o efeito, nova comunicação ao arrendatário, com o teor constante do art. 50.º, aplicando-se a esta comunicação e respetiva resposta do arrendatário, com as consequências daí resultantes, os mesmos trâmites que seriam aplicáveis à primeira com a exceção constante do art. 54..º, n.º 6, al. a), deixando assim de ser possível ao arrendatário invocar alguma das circunstâncias excecionais previstas no n.º 4 do art. 51.º
VII – Nova comunicação em que o senhorio pode, assim como podia na primeira comunicação, propor, com total liberdade, o valor da renda, o tipo e a duração do contrato (como resulta do art. 50.º, al. a), para que remete o art. 54.º, n.º 6, do NRAU).
VIII – Inexistindo qualquer obstáculo à possibilidade de o senhorio, perante a discordância do arrendatário relativamente ao valor atualizado da renda por si proposto – apenas perante tal discordância do arrendatário, não exigindo o art. 33.º, n.º 5, que a discordância inclua o tipo e a duração do contrato – promover, querendo, a denúncia do contrato.
IX – Sendo isto que resulta do NRAU, a cláusula do mesmo contrato de transação (celebrada em 23-02-2016), em que se diz que “findo o período transitório de 5 anos, aplicar-se-á o previsto no n.º 6 do art. 54.º do NRAU”, tem que ser interpretada e aplicada – uma vez que a transição para o NRAU está já estabelecida/fixada na anterior cláusula – em tudo o que a sua aplicação não estiver prejudicada, ou seja, como querendo dizer que, após 01-06-2018, a senhoria teria que voltar a repetir o procedimento (que é o que, em termos práticos, se prevê no art. 54.º, n.º 6, do NRAU), teria que voltar a remeter nova comunicação à ré/arrendatário, com o teor constante do art. 50.º, aplicando-se a esta comunicação e respetiva resposta do arrendatário, com as consequências daí resultantes, os mesmos trâmites que seriam aplicáveis à primeira, com a exceção constante do art. 54.º, n.º 6, al. a), deixando de ser possível ao arrendatário a invocação de qualquer uma das circunstâncias excecionais previstas no n.º 4 do art. 51.º e inexistindo qualquer obstáculo à possibilidade de o senhorio, perante a discordância do arrendatário relativamente ao valor atualizado da renda por si proposto, promover, querendo, a denúncia do contrato.
Fonte: https://www.dgsi.pt