PROCESSO N.º 1796/18.9TXLSB-B.L1-3 Tribunal da Relação de Lisboa

Data
9 de março de 2022

Descritores
Perdão
COVID-19

Sumário
I.–O perdão, bem como o indulto, previsto na Lei nº 9/2020 de 10-04 é também aplicável aos reclusos que passam a sê-lo apenas após a entrada em vigor da referida lei desde que a sentença que os condenara tenha transitado em julgado antes da entrada em vigor da Lei nº 9/2020, ocorrida em 11-04, e desde que se mostrem reunidos os outros requisitos previstos no artº 2º da referida lei, nomeadamente que o crime em apreço não pertença ao elenco de crimes excluídos e desde que a vítima não se enquadre em nenhuma das categorias também previstas.

II.–Se a Lei nº 9/2020, que prevê tanto o perdão como o indulto, ambos extintivos das penas ou o que delas sobra, fosse aplicável apenas aos reclusos existentes em EP ao tempo da sua entrada em vigor em 11-04-2020, então a mesma não poderia ter uma norma que prevê a sua vigência por um período indeterminado de tempo (artº 10º), pois que estando todos os reclusos existentes em EP em 11-04-2020 abrangidos pela Lei nº 9/2020 que mais pessoas poderiam ser abrangidas?

III.–A ratio da Lei nº 9/2020 de 10-04 prende-se com razões sanitárias, as quais não só existiam ao tempo da sua entrada em vigor, mas ainda continuam a existir volvidos vários meses, sendo que ainda não foi publicada a Lei que põe termo ao regime excecional de medidas de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça no âmbito da prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, prevista no artº 10º da Lei nº 9/2020.

IV.–Ou seja, o que está verdadeiramente na base da Lei nº 9/2020 de 10-04 é a preocupação de propagação da doença Covid-19 em meio prisional atentas as especificidades que este meio, em Portugal, apresenta com sobrelotação e falta de condições.

V.–Se o que preocupa o legislador é o facto das prisões portuguesas, já de si sobrelotadas, criarem focos de infecção, esses focos não deixam de existir porque num determinado momento, em 11-04-2020, foram libertados várias centenas de arguidos, se continuam a dar entrada nos estabelecimentos prisionais outras tantas dezenas ou mesmo centenas.

VI.–A utilização pelo legislador da palavra “recluso” não permite excluir arguidos que só venham a estar nessa condição após a entrada em vigor da Lei nº 9/2020, desde que reúnam os outros requisitos legais porquanto o que o legislador quis acautelar eram precisamente “reclusos” ou seja, pessoas com entrada em estabelecimento prisional, local de possível foco de infecções dadas as suas características fechadas, e não arguidos em liberdade.

VII.–Sendo que recluso é toda e qualquer pessoa fisicamente presa dentro de um EP, independentemente do momento dessa prisão.

VIII.–De acordo com artº 9º do Código Civil , respeitando a letra da lei (recluso é toda e qualquer pessoa fisicamente presa dentro de um EP, independentemente do momento dessa prisão) respeita igualmente a ratio da mesma (acautelar um problema de saúde pública dentro de estabelecimentos fechados já de si sobrelotados e sem condições) bem como a sua inserção sistemática, dado que o artº 10º da mesma lei leva a concluir que a vigência do diploma legal em apreço é indeterminada e não está afecta a um único momento temporal.

IX.–Não se pode confundir o trânsito em julgado da decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão com o trânsito em julgado que é exigido pelo artº 2º da Lei nº 9/2020. É que o trânsito em julgado que releva é o da sentença condenatória pois só esta é que aplica ao arguido uma pena de prisão, embora suspensa na sua execução, sendo que a decisão que revoga a suspensão não é uma sentença condenatória de pena de prisão.
(Ac. Elaborado pela relatora)

Fonte: https://www.dgsi.pt




O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados disponibiliza a presente newsletter. Esta compilação não pretende ser exaustiva e não prescinde a consulta das versões oficiais destes e de outros textos legais.