PROCESSO N.º 1544/16.8T8ALM.L1.S2 Supremo Tribunal de Justiça
Data
30 de novembro de 2021
Descritores
Caso julgado penal
Oponibilidade
Terceiro
Presunção
Valor extraprocessual das provas
Princípio do contraditório
Responsabilidade extracontratual
Direito à indemnização
Cálculo da indemnização
Dano biológico
Danos patrimoniais
Danos não patrimoniais
Liquidação ulterior dos danos
Liquidação em execução de sentença
Equidade
Sumário
I – Quanto a terceiros, quanto a todos aqueles que são alheios ao contraditório no processo penal, prescreve a lei, no art. 623.º do CPC, uma presunção ilidível da ocorrência dos factos que foram apreciados e considerados provados no âmbito do processo penal, presunção esta que vale e pode ser invocada em qualquer ação de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infração.
II – Presunção (de existência) dos factos, apurados em processo penal, que, sendo ilidível, apenas significa que a parte que dela beneficia fica desonerada do labor probatório conducente à prova do facto presumido – que se cumpre mediante a junção da certidão da sentença condenatória – mas que não significa que tal parte fique a coberto da parte contrária poder provar o contrário, ou seja, da parte contrária poder provar que os factos não existiram e/ou que não ocorreram exatamente do modo que consta da fundamentação da sentença penal.
III – Pode pois – e a partir de meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador – dar-se como provada uma dinâmica do acidente diferente da fixada na sentença penal, uma vez que, por força do preceituado no art. 623.º do CPC, o interesse público da não prolação de decisões de conteúdo contraditório não prevaleceu perante a necessidade de garantir que sujeito algum possa suportar prejuízos emanados de um processo no qual não participou ou não foi colocado em condições de participar.
IV – O dano biológico, ainda que lhe possa ser conferida autonomia, cabe no dualismo dano patrimonial / dano não patrimonial (não é um “tertium genus”), podendo ter e traduzir-se numa vertente patrimonial e numa vertente não patrimonial, sendo que, quando apenas está em causa e se pretende indemnizar o dano causado por uma incapacidade permanente geral (que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão, mas que não se repercute numa perda da capacidade de ganho), se está perante a vertente patrimonial do “dano biológico”, cuja indemnização também cobre a perda de potencialidades e de oportunidades profissionais (não havendo lugar à fixação dum montante indemnizatório por uma IPP que, em tal hipótese, nem sequer existe).
V – O único critério legal para a fixação da indemnização do dano biológico (dano futuro) é a equidade (cfr. art. 566.º, n.º 3, do CC), o que não significa, que não se usem, como auxiliar, como instrumento de trabalho, fórmulas matemáticas, que têm o mérito de impedir “ligeirezas decisórias” ou involuntárias leviandades e subjetivismos, na medida em que obrigando o julgador à externalização, passo a passo, do seu juízo decisório e a uma maior “densificação” da fundamentação da decisão, contribuem para impedir raciocínios mais ligeiros e/ou maquinais na fixação de indemnização.
VI – Tendo o lesado 26 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 19 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (“personal trainer”), é equitativo fixar (por reporte à data da formulação do pedido, ocorrida em 30-03-2014, um ano e meio após o acidente) a indemnização por tal dano biológico em € 80 000,00; montante este a que – estando-se “apenas” perante uma IPG, que exige esforços suplementares no exercício da atividade profissional, mas sem qualquer repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho do lesado – não pode acrescer outro e autónomo montante indemnizatório com base no dano futuro da perda de ganho.
Fonte: https://www.dgsi.pt