PROCESSO N.º 15/21.5YFLSB-A Supremo Tribunal de Justiça

Data
14 de julho de 2021

Descritores
Suspensão de eficácia
Estatuto dos magistrados judiciais
Juiz
Função jurisdicional
Independência dos tribunais
Independência do juiz
Conselho Superior da Magistratura
Regulamento
Publicidade
Princípio da transparência
Reserva da vida privada
Princípio da proporcionalidade
Força obrigatória geral

Sumário
I. Do disposto no art. 5.º da Lei n.º 52/2019 emergem dois comandos normativos contempladores das especificidades estatutárias da posição dos magistrados judiciais (bem como dos magistrados do Ministério Público). Por um lado, essa norma transfere um específico poder regulador para o órgão competente – o Conselho Superior da Magistratura – para conformar o conteúdo e o exercício das obrigações declarativas (previstas no art. 13.º desse diploma legal) e, por outro lado, estabelece restrições à aplicação da própria Lei n.º 52/2029, na medida em que tal se tome adequado à compatibilização das normas deste diploma com as regras específicas que disciplinam a atividade dos magistrados judiciais. O Regulamento das Obrigações Declarativas [ROD] não cumpre na íntegra o alcance destes dois comandos normativos.

II. A tutela do interesse geral da transparência patrimonial, subjacente à consagração legal das obrigações declarativas dos magistrados judiciais, prevista na Lei n.º 52/2019 e a concretizar pelo ROD, tem de se harmonizar adequadamente com os princípios ínsitos à função desempenhada pelos magistrados judiciais e particularmente com as suas específicas exigências de independência e isenção.

III. Diferentemente dos demais obrigados ao cumprimento das obrigações declarativas (referidos nos artigos 2.º, 3.º e 4.º da Lei n.º 52/2019), os magistrados judiciais não desempenham cargos tipicamente limitados no tempo. Desempenham, sim, sempre o mesmo tipo de funções, ao longo de toda a sua vida ativa (permanecendo vinculados aos deveres estatutários mesmo na situação de jubilação). Daqui resulta que a sua vida privada pode ser potencialmente mais afetada pelo amplo acesso a dados pessoais do que a vida privada de outros sujeitos abrangidos por aquele diploma.

IV. Diferentemente do que se verifica quanto a outros sujeitos abrangidos por aquele diploma, os magistrados judiciais proferem decisões que se projetam imediatamente na vida e nos interesses de cidadãos concretos, expondo-os, por isso, a eventuais reações diretas de pessoas descontentes com tais decisões.

V. A segurança e a tranquilidade que os magistrados judiciais necessitam para poderem decidir, como decorre do Estatuto dos Magistrados Judiciais, com independência, imparcialidade e ponderação são valores que não podem ser postos em causa através de mecanismos que possam facilitar a devassa da sua vida pessoal e familiar.

VI. Enquanto titulares do poder judicial e, portanto, enquanto elementos de órgãos de soberania que realizam a justiça em nome do povo, os magistrados devem estar sujeitos ao escrutínio do seu património, de modo a prevenir e detetar hipóteses de enriquecimento ilícito, como pretendeu a Lei n.º 52/2019. Mas tal escrutínio deverá fazer-se na justa medida daquilo que é necessário e adequado para o cumprimento de tal objetivo. Assim, informação que permita, direta ou indiretamente, aceder ao conhecimento da residência de qualquer magistrado judicial ou que, de algum modo, permita a lesão da reserva da sua vida privada e familiar não pode ser alvo de acesso público.

VII. As normas do ROD relativamente às quais se identifica vício de violação de lei, bem como a violação de princípios gerais de direito administrativo têm de ser declaradas ilegais com força obrigatória geral, determinando-se a elaboração de novas normas que compatibilizem adequadamente os propósitos da Lei n.º 52/2019 com a RGPD e demais diplomas aplicáveis em matéria de exposição de informação pessoal.

Fonte: https://www.dgsi.pt




O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados disponibiliza a presente newsletter. Esta compilação não pretende ser exaustiva e não prescinde a consulta das versões oficiais destes e de outros textos legais.