PROCESSO N.º 1393/08.7TCLRS-D.L1-1 Tribunal da Relação de Lisboa
Data
11 de dezembro de 2018
Descritores
Responsabilidades parentais
Questões de particular importância
Deslocação para o estrangeiro
Competência internacional
Convenção de Haia de 1980
Convenção de Haia de 1996
Sumário
I. Os factores de atribuição de competência internacional previstos nos artigos 62º e 63º do CPC só se aplicam se não houver regulamento europeu ou outro instrumento internacional que não previna essa competência; havendo, é este que prevalece, nos termos do art.º 59º do mesmo código.
II. A Convenção de Haia sobre os ‘Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças’ concluída em 25 de Outubro de 1980 (doravante CH80) tem um âmbito muito específico: combater a subtracção do menor do seu ambiente habitual por recurso a vias de facto retirando qualquer consequência prática e jurídica à actuação do subtractor mediante o pronto restabelecimento do statu quo – através da restituição imediata do menor -, assegurando o respeito pelo direito de custódia atingido e, também e entrementes, o direito de visita.
III. A CH80 não pretende, porém, regular a questão de fundo, a atribuição ou regulação do exercício das responsabilidades parentais, que é deixada para as instâncias ordinariamente competentes.
IV. Compete ao progenitor à guarda de quem está a criança estabelecer a residência desta, mas apenas enquanto tal não for susceptível de alterar o ambiente habitual da criança.
V. A mudança de residência para outra região do país ou para o estrangeiro é ‘questão de particular importância’ a ser decidida por ambos os titulares das responsabilidades parentais.
VI. A deslocação da criança para o estrangeiro levada a cabo pelo progenitor a quem está confiada a sua guarda sem o consentimento do outro cônjuge é ilícita, na acepção da CH80.
VII. A ‘residência habitual’ para efeitos da Convenção de Haia relativa à ‘Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Protecção das Crianças’ concluída em 19 de Outubro de 1996 (doravante CH96) é um conceito autónomo, de natureza fáctica a preencher casuisticamente em função das circunstâncias de educação, interacção social e relações familiares, apreciadas quer pelo prisma da ‘intenção parental’ quer pelo prisma do ‘ambiente da criança’, não tendo necessariamente de verificar-se uma determinada extensão temporal para se verificar a mudança de residência habitual; e como exemplos de situações que importam mudança de residência para outro Estado apontam-se a ‘intenção de começar uma nova vida em outro Estado’ ou a ‘mudança definitiva, ou potencialmente definitiva, para outro Estado’.
VIII. Tendo o progenitor a quem está confiada a guarda da criança ido viver para a Suíça levando consigo a mesma, que aí passou a viver e a frequentar a escola, é de considerar que a criança adquiriu residência habitual na Suíça.
IX. A CH96 afasta a regra geral de atribuição de competência à jurisdição da residência habitual do menor, em favor da jurisdição da residência habitual imediatamente anterior, em caso de afastamento ilícito, enquanto se verificarem certas condições.
X. Uma dessas condições é a não aceitação do afastamento pelo progenitor que não consentiu na deslocação.
XI. O progenitor que confrontado com a deslocação da criança para outro país sem o seu consentimento declara que não pretende o regresso da criança mas apenas assegurar o seu direito de visita e contacto regular está a aceitar o afastamento.
XII. Nas descritas circunstâncias a competência para a regulação do exercício das responsabilidades parentais, ainda que na modalidade da sua alteração, pertence à jurisdição suíça.
XIII. Tal não significa, porém, que a regulação efectuada pela jurisdição portuguesa não deva ser reconhecida e executada pelas autoridades suíças enquanto se mantiver em vigor, designadamente pela activação dos mecanismos de auxílio e cooperação previstos no art.º 21º da CH80 e no art.º 35º, nº 1, da CH96 com vista a assegurar o exercício efectivo do direito de visita e do direito a manter contactos directos regulares.
XIV. Tal resultado não ofende a ordem pública internacional do Estado Português, não é impeditivo da efectivação do direito em causa, nem cria para o autor dificuldade apreciável.
Fonte: https://www.dgsi.pt