PROCESSO N.º 1316/18.5YLPRT.L1-7 Tribunal da Relação de Lisboa

Data
22 de janeiro de 2019

Descritores
Acção especial de despejo
Oposição à renovação
Loja com história
Princípios da segurança jurídica
Da boa fé e da tutela da confiança

Sumário
I – O artigo 13º, nº 3, da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, que entrou em vigor em 24 de Junho de 2017, estabelece a imposição de impedimento da oposição à renovação do novo arrendamento que haja transitado para o NRAU, obrigando os senhorios, quanto a estes contratos de arrendamentos, atendendo às suas especiais natureza e características relacionadas com o significado histórico local da actividade comercial desenvolvida pela arrendatária no locado, bem como ao interesse geral dos munícipes das áreas onde se situam as ditas “lojas com história”, a conformarem-se com o seu prolongamento por um período adicional de cinco anos.

II – A normal e escorreita tramitação de um procedimento administrativo referente à atribuição da distinção “lojas com história”, que assenta em realidades históricas e sociais pretéritas, perfeitamente objectivas, apreensíveis e compreensíveis pela munícipes em geral, não deveria razoavelmente demorar cerca de um ano, frustrando em absoluto todas as legítimas expectativas acalentadas pela inquilina e que se fundaram nos princípios basilares da segurança jurídica e da tutela da confiança, os quais emanam directamente do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, e cujo desrespeito ou não acatamento escrupuloso e absoluto deixarão profundamente abalados os próprios alicerces jurídicos de um Estado de Direito democrático.

III – Pelo que se deverá concluir, na situação sub judice, que a Ré inquilina, não obstante o desfasamento temporal entre o termo previsto do contrato e a data (posterior) da prática do acto administrativo que lhe confere a distinção de “loja com história”, deve beneficiar e beneficia – efectivamente e em pleno – do regime próprio consignado no artigo 13º, nº 3, da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, impondo-se ao senhorio o impedimento da oposição à renovação do contrato de arrendamento e o prazo adicional de cinco anos de vigência contratual.

IV – Ainda que se reconheça que o legislador, actuando prudentemente, deveria ter expressamente acautelado e evitado estas situações rodeadas de alguma incerteza, dúvida e indefinição, fruto da descuidada omissão de uma disposição legal transitória que afastasse de vez qualquer possibilidade de frustração de legítimas expectativas jurídicas, entende-se, nos termos gerais do artigo 9º, nº 3, do Código Civil, reconstituindo o pensamento legislativo a partir das soluções substantivamente mais acertadas, lógicas, coerentes e equilibradas, por fielmente conformes aos princípios essenciais da tutela da confiança, da segurança jurídica e da boa fé, em vez de abrir a porta a interpretações puramente formalistas, oportunísticas e meramente tabelares susceptíveis de ferir o sentido de equilíbrio e de provocar evidente irritabilidade no sistema jurídico, interpretar a expressão “os arrendatários de imóveis que se encontrem na circunstância prevista na alínea d) do nº 4 do artigo 51º da referida lei, na redacção dada pela presente lei” como abrangendo na sua ratio legis, por um lado, a efectiva existência no locado de um estabelecimento comercial localmente histórico, reconhecido pelo município, por outro, a promoção pelo inquilino do processo administrativo próprio de candidatura a tal distinção dentro do prazo normal e expectável para possibilitar a deliberação camarária antes do termo do contrato de arrendamento em vigor.

V – A circunstância de o senhorio haver disposto da possibilidade de se opor à renovação do contrato de arrendamento no termo de prazo de cinco anos acordado com a inquilina, e ter deixado de o poder fazer, por determinação do artigo 13º da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, por via do acréscimo de um prazo adicional de vigência do contrato de  cinco anos, com a indiscutível aplicação deste regime novo a uma situação pretérita, não ofende, a nosso ver, a proibição da retroactividade consagrada no artigo 18º, nºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa

VI – Não existe na supra mencionada interpretação e aplicação do preceito legal qualquer afectação particularmente sensível e profundamente gravosa do núcleo essencial do direito de propriedade do senhorio que permita sustentar a inconstitucionalidade arguida, uma vez que se trata, tão somente, do mero proletamento, por tempo determinado e relativamente curto (cinco anos), da possibilidade de cessação do contrato de arrendamento que propicia a exploração comercial da reconhecida “loja com história”, por oposição do senhorio à renovação de um contrato de arrendamento, devido a razões que se prendem com o  interesse público autárquico e da comunidade lisboeta em geral, constituindo uma limitação que, pelo seu âmbito perfeitamente diferenciado, criterioso e muito particular, é absolutamente tolerável e aceitável pelo ordenamento jurídico, não ferindo o disposto no artigo 18º, nº 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.

VII – O artigo 13º, nº 3, da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, de alcance temporal definido, abarcando um conjunto circunscrito de arrendatários, motivada por razões de interesse geral a que a comunidade não pode ficar alheia,  insensível ou indiferente, não se traduz na afectação excessivamente penalizadora do senhorio, o qual não deixa de auferir a contrapartida monetária acordada para a cedência do gozo do imóvel e de poder vir a recuperar e a rentabilizar, a médio prazo, com termo absolutamente prédefinido, o imóvel que cedeu em locação.

VIII – Tais situações legalmente previstas, de natureza pontual, objectiva e sujeitas a um crivo especializado da entidade autárquica competente, devem ser compreendidas e contextualizadas na vertente da natureza social do direito de propriedade, neste caso do locador.

Fonte: http://www.dgsi.pt/




O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados disponibiliza a presente newsletter. Esta compilação não pretende ser exaustiva e não prescinde a consulta das versões oficiais destes e de outros textos legais.