PROCESSO N.º 1205/19.6T8OAZ.P1 Tribunal da Relação do Porto

Data
18 de maio de 2020

Descritores
Impugnação judicial da decisão administrativa
Nulidade de sentença
Insuficiência da matéria de facto
Contradição
Poderes cognitivos da relação
Assédio moral
Dolo eventual

Sumário
I – Procedendo à aplicação subsidiária das normas do art.º 379.º n.º1 al. a) e 374.º 2, do Código de Processo Penal, o que se justifica por identidade de razões e face à falta de previsão própria da Lei 107/2009 e do RGCO, dir-se-á que a sentença proferida sobre a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa é nula quando não contenha a fundamentação a que alude o art.º 39.º n.º4, da Lei 107/09, isto é, quer “no que respeita aos factos como no que respeita ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção”.

II – A recorrente diz que a sentença é nula por falta de fundamentação, mas não concretiza se essa falta se verifica relativamente à decisão sobre a matéria de facto ou ao direito aplicado. Refere é que “tendo somente dado como assente o efeito, o elemento objectivo, e não tendo sido dado como adquirida matéria relativa à negligência e/ou ao dolo (…) a matéria de facto é suficiente para que se considere verificado o elemento objectivo, o efeito e preenchido a norma da infracção (do nº 2 do art. 29º do CT), mas não permite a decisão sobre se tal conduta é negligente; muito menos, dolosa”. Assim, em rigor, não está a por em causa a sentença por falta de fundamentação, mas antes por entender que o elenco factual provado não permite “a decisão sobre se tal conduta é negligente; muito menos, dolosa”, base que não é susceptível de ser enquadrada como “nulidade da sentença”, nos termos conjugados do disposto nos artigos 39.º4, da Lei 107/2009, e 379.º n.º1 al. a) e 374.º 2 do CPP.

III – Característica comum a todos os vícios previstos no n.º 2, do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, é que resultem do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum.

IV – A insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, nos termos do art.º 410.º n.º 2 a), do CPP, há-de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.

V – A contradição -art.º 410.º n.º 2 b), do CPP -releva da insanável oposição facto a facto, entre a fundamentação e a decisão ou na fundamentação, do facto de se afirmar uma realidade e na sentença outra de sentido contrário.

VI – Os poderes cognitivos deste Tribunal ad quem na apreciação de recurso da decisão que recaiu sobre impugnação judicial de decisão administrativa, estão, em regra, restringidos à matéria de direito, sem prejuízo de alteração da decisão do tribunal recorrido “sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida “ ou de anulação e devolução do processo ao tribunal recorrido, conforme preceituado nas alíneas a) e b), do n.º2, do art.º 51.º, bem como do conhecimento oficioso dos vícios a que alude o artigo 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal.

VII – A recorrente ignorou esse princípio, verificando-se que veio pôr em causa a convicção do Tribunal a quo na apreciação e fixação dos factos, de resto como a própria afirma na conclusão XXV, onde começa por dizer “Finalmente, no que se refere à matéria de facto, e à alegação de que (…)”. O mesmo sucede ainda nas conclusões XXXIII, XXXV e XXXVII, nas quais procura por em causa o juízo do tribunal a quo sobre a existência de dolo, designadamente, a valorização que é atribuída à conduta da recorrente com base em determinados factos, estribando-se nos meios de prova que invoca.

VIII – O art.º 29.º n.º 1, do CT, ao remeter de forma meramente exemplificativa para o comportamento “baseado em fator de discriminação”, abrange quer situações manifestadas num quadro de discriminação, quer todas aquelas outras em que há um “comportamento indesejado”, ou seja, um comportamento que o trabalhador não pretende tolerar, que tanto pode ser por acção como por omissão, dado que a lei não distingue.

IX – Esse comportamento de assédio pode resultar apenas do objectivo que está por detrás, ou seja, da intenção “de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou destabilizador”, independentemente da concretização desse resultado, sendo suficiente que fique demonstrada a intenção quanto à perturbação ou constrangimento da pessoa, à afetação da sua dignidade ou à criação de certo tipo de ambiente; feita essa demonstração, o legislador prescinde da alegação e prova de que o agressor logrou o intento de perturbar ou constranger a vítima.

X – Mas por outro lado, aquela intenção nociva não é requisito imprescindível para que se reconheça a existência de assédio, pois ao dizer a lei “ou o efeito”, resulta ser bastante a demonstração das consequências de um comportamento que se traduzam em “perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou destabilizador””.

XI – O conteúdo volitivo do dolo eventual deve ser detectado na passividade do agente de não querer desencadear os mecanismos volitivos que levassem a evitar, quer a acção principal intencionalmente querida, quer os resultados adjacentes que aquela acção provavelmente desencadearia.

Fonte: https://www.dgsi.pt




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