PROCESSO N.º 11/21.2YFLSB Supremo Tribunal de Justiça
Data
21 de dezembro de 2021
Descritores
Procedimento disciplinar
Juiz
Direito de defesa
Sanção disciplinar
Suspensão
Impugnação
Cumprimento de pena
Notificação
Ato administrativo
Violação da lei
Erro nos pressupostos de facto
Apreciação da prova
Discricionariedade
Escolha da pena
Princípio da proporcionalidade
Sumário
I. A jurisprudência constitucional tem unanimemente defendido que os direitos de audiência e defesa previstos no artigo 32.º, da CRP, apesar de terem de ser reconhecidos na generalidade de procedimentos ou processos sancionatórios, não gozam do remanescente do regime garantístico do processo criminal para todos os demais ramos do direito sancionatório e, em particular, para o processo disciplinar. Essa exigência constitucional não tem aplicação ao processo disciplinar e nem sequer ao processo contraordenacional. A CRP, nesse tipo de processos, tem somente em vista assegurar os direitos de audiência e de defesa do arguido; e só poderá haver um juízo negativo de constitucionalidade quando qualquer tipo de sanção (contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra) é aplicada sem prévia audição do arguido e sem lhe conferir condições para se defender das imputações que lhe são feitas, apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade.
O artigo 122.º, do EMJ, quando interpretado no sentido de permitir que um arguido, sancionado com uma pena de suspensão, comece a cumprir a pena antes de transitar em julgado a decisão que a aplicou, não é inconstitucional. O magistrado a quem seja aplicada sanção disciplinar pode sempre lançar mão de impugnação administrativa necessária para o Plenário do CSM, nos termos do disposto no artigo 167.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do EMJ, ou pode impugnar contenciosamente a deliberação que lhe aplique tal sanção, nos termos do disposto nos artigos 169.º e 170.º do EMJ. Pelo que, a sanção disciplinar não se consolida enquanto tais impugnações não forem objecto de decisão.
E, nos termos do disposto no artigo 122.º, do EMJ, a decisão punitiva pode nem sequer começar a produzir efeitos de imediato, ou até pode ver esses efeitos suspensos, se o magistrado punido a impugne administrativamente para beneficiar da suspensão automática que decorre do artigo 167.º-A do EMJ; ou então, já em fase contenciosa, e apesar de a acção administrativa não ter tal efeito (artigo 172.º, n.º 1, do mesmo diploma), pode sempre interpor providência cautelar de suspensão de eficácia até ao trânsito em julgado da decisão naqueloutra acção administrativa (artigo 128.º do CPTA, ex vi artigos 172.º, n.ºs 2 e 3, e 174.º, ambos do EMJ).
Por último, a decisão não se consolida porque, em caso de procedência da impugnação contenciosa do acto punitivo por decisão jurisdicional, o acto ou é declarado nulo e não produz quaisquer efeitos (artigo 162.º, n.º 1, do CPA), ou é anulado, destruindo-se, assim, retroactivamente todos os seus efeitos (artigo 163.º, n.º 2, do CPA). Além disso, sempre operará o efeito de reconstituição da situação actual hipotética que decorreria para o magistrado punido no caso de não ter sido praticada a sanção entretanto anulada (artigo 173.º do CPTA).
Pelo que apenas uma decisão jurisdicional pode transitar em julgado.
II. Da notificação da decisão (punitiva) não consta a obrigatoriedade da advertência sobre a data de produção de efeitos, nos termos do disposto nos artigos 121.º e 118.º, n.ºs 1 e 2, do EMJ, e 114.º, n.º 2, do CPA.
III. Os pressupostos do acto administrativo são as circunstâncias objectivas, normativamente previstas, de cuja verificação depende a constituição do órgão administrativo no poder-dever de agir mediante a prática de um acto administrativo de determinado tipo legal. Se a emissão do acto se baseou nos pressupostos legalmente devidos, mas não efetivamente existentes, ocorre falta de um pressuposto real ou de facto (a circunstância legalmente prevista não se verificou na realidade).
IV. O vício de violação de lei ocorre quando é efectuada uma interpretação errónea da lei, aplicando-a à realidade a que não devia ser aplicada ou deixando-a de aplicar à realidade que devia ser aplicada.
V. Quanto ao erro sobre os pressupostos de facto em processos em que se discute a validade de actos que aplicam penas disciplinares, cabe ao interessado alegar e provar os vícios que possam pôr em dúvida a validade do acto. Estando em causa um erro quanto aos pressupostos de facto, não pode o interessado limitar-se a manifestar a sua discordância com a matéria de facto e a pedir a reapreciação de toda a prova produzida no processo administrativo ou a sua renovação perante o juiz administrativo, impondo-se antes que delimite com precisão os aspectos relativamente aos quais se verificou um erro de apreciação das provas ou os concretos pontos de facto que entende não corresponderem à realidade, bem como os concretos meios de prova que pertinentemente possam demonstrar a ocorrência de um erro na fixação dos factos.
VI. Pelo que o interessado não pode bastar-se com a simples ou mera negação dos factos que lhe são imputados, cabendo-lhe alegar um conjunto de factos que corporizem a falta de consistência da imputação e sanção de que foi alvo, dos quais se indicie a ilegalidade e que aponte para o erro da imputação.
VII. Importa distinguir entre a situação em que o impugnante contradita os factos que serviram de fundamento à decisão administrativa e requer ao tribunal a produção de novos meios de prova ou a renovação de meios de prova já produzidos no procedimento administrativo, daqueloutra em que pretende apenas discutir a validade do juízo formulado pela entidade administrativa quanto à prova coligida, porquanto num caso está em causa a reapreciação da matéria de facto com base num possível erro na fixação dos factos materiais da causa e, no outro, discute-se apenas um eventual erro na apreciação das provas.
VIII. No tocante à apreciação da prova disciplinar, e de harmonia com os princípios da oficialidade e da verdade real, vale para o instrutor a regra da liberdade da apreciação das provas [artigo 91.º, n.º 2, do CPA], salvo existência de regra legal que a afaste.
IX. Na fixação da medida da pena, a Administração, embora tenha de respeitar os parâmetros legais, goza de certa margem de liberdade.
X. A gravidade da pena a aplicar depende do grau de responsabilidade do agente. A sua apreciação está entregue ao critério dos titulares do poder disciplinar que a avaliarão de acordo com os conhecimentos da personalidade do infractor e das circunstâncias em que agiu. Por isso, ao contrário do que sucede no direito criminal, não se estabelece a correspondência rígida de certas sanções para cada tipo de infracção, deixando-se a quem haja de decidir amplo poder discricionário para punir as infrações verificada.
XI. O artigo 266.º, n.º 2, da CRP sujeita toda a atividade administrativa aos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé. Tais princípios concretizam uma objectivação dos critérios jurídicos de controlo do exercício da margem de livre apreciação, conferindo verdadeiros parâmetros de racionalidade a partir dos quais o Tribunal, face à dinâmica factual apurada e a situação concreta que lhe é submetida, afere da respetiva compatibilização com a juridicidade.
XII. O controlo jurisdicional do exercício administrativo de poderes discricionários é um controlo externo e negativo, que apenas permite aos tribunais a anulação da solução adoptada se ela violar os cânones da razoabilidade e racionalidade básicas, quer em termos jurídicos, quer em termos de senso comum; mas proíbe a definição, pela positiva, do caso concreto, substituindo-se à Administração Pública na ponderação das valorações que integram a margem de livre apreciação, salvo nas chamadas situações de redução da discricionariedade a zero, a que alude o n.º 2, do artigo 71.º, do CPTA. Daí que a violação dos princípios aludidos no n.º 2, do artigo 266.º, da CRP apenas devam determinar a anulação do acto administrativo se for flagrante e ostensiva.
Fonte: https://www.dgsi.pt