PROCESSO N.º 1068/16.3T8AGH –L1–4 Tribunal da Relação de Lisboa

Data
25 de novembro de 2020

Descritores
Contrato de trabalho
Serviço doméstico
Cedência
Posição contratual

Sumário
I – Tendo as Rés aceitado expressamente, nos termos e para os efeitos do número 2 do artigo 574.º do NCPC, o alegado pelas Autora no artigo 13.º da Petição Inicial, achamo-nos, pelo menos, perante o acordo das partes quanto a tal matéria factual, senão mesmo face ao «reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária» [artigo 352.º do Código Civil], logo, perante uma confissão judicial escrita que possui força probatória plena contra a Autora [artigo 358.º, número 1, do mesmo diploma legal] e que é irretratável nos termos do artigo 465.º do NCPC.

II – A interpretação do afirmado nesse artigo 13.º da Petição Inicial, quando conjugado com alguns dos outros artigos dessa mesma peça processual e com o disposto nos artigos 236.º a 239.º do Código Civil, aponta no sentido do desenvolvimento exclusivo de funções domésticas nas casas particulares dos legais representantes das duas empresas originalmente demandadas se ter mantido desde o início do vínculo laboral até ao seu termo, não obstante a referida cedência e a posterior conversão do contrato de trabalho a tempo integral em contrato de trabalho a tempo parcial e a situação de doença prolongada vivida pela mesma.

III – As menções feitas em dois Pontos da Matéria de Facto dada como Provada ao exercício de funções nas instalações das duas Rés não podem ser consentidas, face ao acordo ou confissão descritos no Ponto I, havendo assim que, por contradição entre esses Pontos de Facto, radicados na prova testemunhal, e o referido acordo/confissão da Autora, que reformular, nos termos do artigo 662.º, número 2, alínea c) do NCPC, aqueles dois Pontos de Facto, com a eliminação das referências deles constantes a tal desenvolvimento da atividade profissional como empregada de limpeza nas ditas instalações.

IV – Face à matéria dada como provada e com referência ao contrato de trabalho firmado entre as partes resulta, desde logo, uma desconformidade material entre as funções correspondentes à categoria profissional de empregada de limpeza que foi acordada verbalmente entre a Autora e a 1.ª Ré no início do vínculo laboral [e confirmada num dos recibos de vencimento juntos aos autos] e aquelas que ressaltaram da subsequente execução prática e quotidiana, entre 1/10/2002 e 16/1/2016, de tal contrato de trabalho, tendo as tarefas ou competências profissionais desenvolvidas pela Apelada e descritas na Factualidade dada como Assente, de ser reconduzidas, desde o seu começo, a um genuíno contrato de trabalho de serviço doméstico.

V – As empregadoras, formal e juridicamente identificadas em termos externos e perante terceiros, como entidades patronais da Autora foram as duas Rés, em termos sequenciais e sucessivos, mas a pessoa que material e diretamente foi beneficiada pelo trabalho da Autora foi, em grande parte, a sócia-gerente da 2.ª Ré [a pessoa identificada como assumindo o papel de «patroa» no terreno do dia a dia doméstico].

VI – Nada no regime legal especial constante do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de Outubro afasta a possibilidade de cedência da posição contratual ou de redução do tempo de trabalho através de acordo entre trabalhador e empregador doméstico [neste último caso, mal se compreenderia que assim fosse], havendo mesmo quanto à referida possibilidade de cedência, a previsão do artigo 346.º, número 1 do Código do Trabalho, que, sem a oposição do artigo 28.º daquele primeiro diploma legal, admite uma situação de transmissão da posição contratual do trabalhador doméstico para uma outra pessoa, em caso de morte do empregador original e do sucessor do falecido manter aquele ao seu serviço, na mesma qualidade de trabalhador doméstico.

VII – O cenário descrito significa que, em rigor, é o regime do contrato de serviço doméstico que deveria ser chamado à colação e, nessa sequência, os artigos 9.º a 11.º, quanto à retribuição, 13.º a 15.º quanto ao tempo do trabalho e 27.º, alínea d) e 33.º, que regulam a rescisão com aviso prévio pelo trabalhador desse contrato de trabalho especial por parte do trabalhador.
VIII – Estando-se face a um contrato de trabalho de serviço doméstico com regime legal especial, não estava a relação laboral dela emergente sujeita a qualquer regulamentação coletiva como a que se mostra identificada nos autos pelos litigantes.

IX – Logo, as diuturnidades que são reclamadas pela aqui Apelada, com base na Convenção Coletiva de Trabalho entre a Câmara do Comércio de Angra do Heroísmo e o Sindicato dos Trabalhadores de Escritório e Comércio de Angra do Heroísmo n.º 35/2008 de 02-06, não conhecem base jurídica que confira tal direito à trabalhadora, o que implica que tal pretensão tem de ser julgada improcedente.

X – A questão da impossibilidade legal de o contrato de serviço doméstico ser titulado, na qualidade de empregadoras, por pessoas coletivas com fins lucrativos, assim como a da eventual fraude à lei antes referenciada, não obstante as consequências jurídicas delas advenientes [nulidade relativa ou absoluta do negócio, com o reconhecimento ou não da referida sócia-gerente como verdadeira empregadora da Autora] não têm grande relevância na economia dos presentes autos, pois a condenação da 2.ª Ré no pagamento de parte das diuturnidades reclamadas pela Autora passa, antes de mais, pelo reconhecimento jurídico de tal direito no quadro de um contrato de trabalho de serviço doméstico, independentemente da entidade empregadora em presença, o que, como já vimos, não se verifica.

XI – Sem prejuízo de este tribunal de recurso considerar que as peticionadas diuturnidades não são efetivamente devidas à Autora, esta nunca renunciou ao seu recebimento, no momento em que rescindiu com aviso prévio o vínculo laboral que a ligava à 2.ª Ré e pediu as aludidas «contas finais».

(Elaborado pelo relator)

Fonte: https://www.dgsi.pt

 




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