PROCESSO N.º 1066/13.9TJPRT.P1 Tribunal da Relação do Porto
Data
10 de fevereiro de 2020
Descritores
Exoneração do passivo restante
Recusa
Sumário
I – O incidente de exoneração do passivo restante – medida algo afastada da filosofia geral do CIRE, regulada nos artigos 235º e segs – permite ao insolvente, pessoa singular, mediante a satisfação de determinados ónus a revelar o merecimento de uma outra oportunidade, libertar-se do passivo restante e recomeçar a sua vida económica de novo, “limpo” das dívidas. Visa conceder ao devedor um fresh start, permitindo-lhe recomeçar a sua atividade, sem o peso da insolvência anterior.
II – Implica, também, uma nova oportunidade para os credores de obterem a satisfação dos créditos, pois, após o encerramento do processo de insolvência, e portanto esgotada a função do administrador de insolvência com a repartição do saldo do património atual pelos credores, se o houver, ainda se vai efetuar a cessão do rendimento disponível do devedor a um fiduciário durante cinco anos, com a função de o repartir pelos credores.
III – Este incidente, que tem dois momentos fundamentais: o despacho inicial e o despacho de exoneração. Após aferir, no despacho liminar, a que se reportam os artigo 237º e 238º, do CIRE, da existência de condições mínimas, justificando-se a concessão ao devedor de uma oportunidade, o juiz submete-o a um “período de prova”, de que pode ou não, a final, resultar a exoneração.
IV – Durante tal período (período de cessão), de 5 anos, o devedor fica obrigado a entregar o seu rendimento disponível ao fiduciário e a cumprir o conjunto dos deveres acessórios de conduta (n.º 4, do art. 239º, do CIRE), destinados a assegurar a efetiva concretização da cessão do rendimento disponível por aquele a este.
V – A cessão do “rendimento disponível” (cfr. nº2, do art. 239º, do CIRE) constitui um ónus imposto ao devedor como contrapartida de ser exonerado do passivo, integrando tal rendimento (destinado a satisfação dos credores) todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão dos referidos nas alíneas do nº3, do art. 239º, do mencionado diploma.
VI – Decorrido o período de cessão, a exoneração tem de ser recusada se o devedor tiver violado, durante o referido período, com dolo ou negligência grave, a obrigação principal de entrega ao fiduciário do rendimento disponível ou deveres acessórios de conduta fixados no n.º 4, do art. 239º, do CIRE, e, dessa violação, resulte, como consequência direta e necessária, prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência – v. art. 239.º, n.º4, al. a) e c), 243.º, n.º1, al. a), e 244.º, n.º2, do CIRE.
VII – Tal situação verifica-se no caso, em que a recusa da exoneração do passivo restante se impõe por a devedora, que tinha de conter os seus gastos, ao longo dos referidos 5 anos, nada ter entregue ao fiduciário do rendimento disponível, bem sabendo da obrigação de o fazer, utilizando-o para fazer face às suas necessidades sem nada, sequer, vir aos autos requerer, revelando tal atuação (de dispor de mais de dez mil euros, destinado aos credores) dolo e causando prejuízo aos credores naquela importância, não sendo merecedora de nova oportunidade.
Fonte: https://www.dgsi.pt