PROCESSO N.º 02305/09.6BEPRT Tribunal Central Administrativo Norte

Data
22 de janeiro de 2021

Descritores
Responsabilidade civil extracontratual
Pressupostos
Entidade gestora da rede de abastecimento público de águas e de drenagem
Informação errada sobre a existência de infra-estruturas públicas necessárias ao licenciamento de obra particular
Ilegal exigência de realização de infra-estruturas públicas a particular
Decreto-regulamentar n.º 23/95, de 23.08
Poderes públicos
Pedido genérico
Danos patrimoniais
Danos morais
Danos emergentes
Lucros cessantes
Cálculo da indemnização
Indemnização pelo valor dos imóveis por se terem tornado invendáveis
Indemnização pela futura e previsível obrigação de restituição do sinal em dobro acordado em contratos-promessa sobre os imóveis
Indemnização por equidade
Indemnização no que se vier a liquidar
O n.º 2 do artigo 609.º do CPC, artigo 556.º, n.º 1, alínea b), do CPC, ex vi do artigo 35.º, n.º 1, do CPTA

Sumário
1. O Decreto Regulamentar n.º 23/95, de 23.08, em particular nos artigos 271º, 275º, 276º, 278º e 282º fixa a competência da “A.”, enquanto entidade gestora da rede de abastecimento público de águas e de drenagem das águas, para a elaboração dos estudos e projectos para esta rede na zona em causa.

2. Em concreto o artigo 282º do Decreto Regulamentar n.º 23/95, de 23.08, determina que os ramais de ligação são partes integrantes do sistema público de distribuição e drenagem e por isso a sua instalação e manutenção constituem poder e dever público da entidade gestora.

3. Os poderes públicos são, por definição, inalienáveis, não podendo por isso ser objecto de acordo a sua transferência para um particular, a não ser que esteja definida por lei a possibilidade de acordo sobre a realização de tarefas que cumpririam, em princípio, à entidade que exerce esses poderes públicos; sem prejuízo sempre do poder e dever de fiscalização por parte da entidade pública; precisamente para evitar que a entidade pública ou privada a quem foram entregues os poderes e deveres públicos se descarte desses poderes e deveres entregando-os a privados, com ou sem o exercício de pressões ilegítimas.

4. Verifica-se a ilicitude do comportamento da A., desde logo pela violação do princípio da confiança e da boa-fé, por ter fornecido a informação errada de que de que os locais de construção das moradias em causa se encontravam devidamente infra-estruturados quanto à rede pública de abastecimento de água, tendo depois emitido parecer no sentido de ser exigido ao autor a construção dessas infra-estruturas; a que acresce a ilicitude decorrente da violação de lei: 1- por omissão, por não ter construído os sistemas públicos de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais, poder e dever que lhe cabe por lei; 2- por acção, dado ter imposto essa construção ao autor, fazendo recair sobre um particular um dever público que cabe à ré.

5. Comportamentos ilícitos estes que se presumem, por essa ilicitude, culposos e que traduzem uma efectiva violação culposa dos direitos do autor, porque grosseiramente violadores do dever de informar devidamente os particulares, não fazer exigências contraditórias com as informações prestadas e não fazer exigências ilegais aos particulares e que determinaram directa e necessariamente os prejuízos invocados e provados, quer de natureza material quer de natureza moral, pelo que se verificam todos os pressupostos para a condenação da A. a pagar ao autor uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual.

6. A condenação não ultrapassa o objecto da acção nem o pedido, se foi pedido o ressarcimento dos danos alegadamente causados pela a conduta ilícita e culposa dos réus, incluindo a ré A., e, depois de se concluir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual apenas em relação à ré A., se determinaram os danos já líquidos e se relegou a quantificação dos ilíquidos para posterior liquidação, exactamente como determina o n.º2 do artigo 609.º do Código de Processo Civil, se a condenação na parte líquida fica aquém do valor do pedido global.

7. Se não se encontram estabilizados os danos, quer de natureza patrimonial, quer de natureza não patrimonial, resultantes do facto ilícito, é admissível um pedido genérico de indemnização em relação a ambos os tipos de prejuízos, face ao disposto no artigo 556.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 35.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

8. A indemnização em termos equitativos porque não corresponde ao valor dos prejuízos efectivos – que não pôde ser determinado – apenas deve ter lugar quando se prevê que não será possível liquidá-los mesmo em momento posterior.

9. Havendo a possibilidade de reconstituir com rigor os danos em liquidação posterior, porque a indemnização visa, precisamente, reconstituir tanto quanto possível a situação que existiria se não fosse a lesão, deve optar-se por esta via.

10. Assim o disposto no n. º 3 do artigo 566º do Código Civil -, o recurso à equidade -, só se aplica na impossibilidade de liquidar os reais danos nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo 566º, do Código Civil, e no n. º3 do artigo 609º do Código de Processo Civil.

11. O preço de venda, fixado em contratos-promessa, comporta duas componentes essenciais, suficientes para fixar a indemnização que importa fixar por recurso às regras de equidade, pela perda da oportunidade de vender os imóveis, face à impossibilidade de legalização: o custo da construção (dano emergente) e o lucro expectável (lucro cessante); o lucro expectável assim considerado não é exagerado porque não tem aqui autonomia. Integra o valor da venda e este está documentado, em relação a algumas moradias, nos contratos-promessa e respectivos valores dados como provados; o valor de venda das restantes moradias – que não foram objecto de contratos-promessa -, tira-se por extrapolação dos primeiros, calculando o valor médio; esta é a forma justa e equitativa de fixar a respectiva parcela indemnizatória.

12.O prejuízo pelas moradias se terem tornado invendáveis (pelo menos até ao encerramento da discussão da causa, momento atendível) e que é indemnizável pelo valor da venda (constante dos contratos-promessa ou calculado pelo valor médio destes) não se confunde com o prejuízo, futuro e previsível, face à obrigação de restituição do sinal em dobro pelo incumprimento desses contratos. Tanto assim que um já se verificou, o da impossibilidade da venda das moradias e outro ainda se irá verificar, a restituição das importâncias recebidas a título de sinal. E apenas em alguns casos existe o prejuízo decorrente da obrigação de restituição do sinal em dobro.

13. Sendo os danos morais todos de natureza semelhante, naquilo que se distinguem dos danos de natureza patrimonial como as repercussões na actividade profissional, a saber, o sofrimento físico e psíquico, as frustrações, as profundas depressões, as repercussões na vida familiar, não se justifica atribuir diversas parcelas indemnizatórias a este título, mas apenas uma, que se reputa justo e equitativo fixar em 30.000 € (trinta mil euros).

14.Num caso como o presente, com uma complexidade muito acima da média, quer no julgamento da matéria de facto quer no enquadramento jurídico, não se justifica dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.*

* Sumário elaborado pelo relator

 

Fonte: https://www.dgsi.pt




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