PROCESSO N.º 75/15.8PJAMD-D.S1 Supremo Tribunal de Justiça

Data
11 de fevereiro de 2021

Descritores
Recurso de revisão
Novos factos
Novos meios de prova
Prova documental
Inconstitucionalidade
Indeferimento

Sumário
I – O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no art. 29.º, n.º 6, da Lei Fundamental, constitui o meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito e a força do caso julgado. É assim que a segurança do direito e a força do caso julgado, valores essenciais do Estado de direito, cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão.

II – Daí que o Código de Processo Penal preveja, de forma taxativa, nas alíneas a) a g) do n.º 1, do art. 449.º, as situações que podem, justificadamente, permitir a revisão da sentença penal transitada em julgado.

III – Quanto à literalidade da al. d), do n.º 1, do art. 449.º do CPP, resulta que, ao abrigo de tal segmento normativo, a revisão (extraordinária) só pode ser concedida se, e quando se demonstre que, posteriormente à decisão revidenda, se descobriram factos ou meios de prova novos, outros, que aquela decisão tenha deixado por apreciar.

IV – E compreende-se que assim seja, pois, importando o recurso de revisão o “sacrifício” do caso julgado, da estabilidade das decisões transitadas – corolário da segurança jurídica -, só deve ser admitido em casos pontuais e expressamente previstos na lei. Tem-se entendido que se deve interpretar a expressão “factos ou meios de prova novos” no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão. Com efeito, só esta interpretação observa a natureza excepcional do recurso de revisão e os princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da proteção do caso julgado.

V – Este fundamento para a revisão da sentença assenta em dois requisitos: a apresentação de factos ou meios de prova que, de per se ou conjugados com os que foram apreciados no processo, devam considerar-se ‘novos’ e, após reconhecida a ‘novidade’, a verificação de que tais factos ou meios de prova têm a necessária aptidão para constituir um juízo de graves dúvidas sobre os fundamentos da condenação, de modo a poder concluir-se que a aplicação da pena constituiu o resultado de inaceitável erro judiciário de julgamento da matéria de facto.

VI – Quanto à noção de factos ou meios de prova novos devem estes obedecer a uma condição prévia, apenas relevando aqueles que não puderam ser apresentados e apreciados na decisão em que se fundou a condenação por decisão transitada em julgado e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado.

VII – Porém, é, ainda, entendimento pacífico da jurisprudência deste Tribunal que, para efeitos do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, não basta que sejam factos ou meios de prova desconhecidos do tribunal no acto de julgamento – processualmente novos – ‘novos’ são também os factos e os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal. Desta feita, só são admissíveis novos factos e meios de prova quando o recorrente desconhecia a sua existência ao tempo da decisão ou, não os desconhecendo, justifica a razão pela qual não os apresentou em momento próprio.

VIII – De facto, de acordo com a interpretação que se tem feito da al. d), do n.º 1, do art. 449.º, do CPP, o desconhecimento relevante é, não apenas o do tribunal (na medida em são factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento), devendo ter-se em conta o desconhecimento do próprio requerente (razão de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos).

IX – Conclui-se, pois, que é insuficiente o mero desconhecimento dos factos pelo tribunal, sendo esta a única interpretação que se harmoniza com o carácter excepcional do ‘remédio’ da revisão com respeito pelos princípios constitucionais da segurança jurídica, lealdade processual, protecção do caso julgado. A lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa.

X – Só assim se compreende o que dispõe o art. 453.º, do CPP, a respeito da produção de prova no caso em que o fundamento da revisão é o previsto na al. d), do n.º1, do art. 449.º, do CPP, no sentido de prever que, embora caiba ao tribunal proceder a todas as diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, não são admitidas testemunhas que não tenham sido inquiridas no processo, a não ser que o recorrente justifique que ignorava a sua existência à data da condenação ou que estiveram impossibilitadas de depor (n.º 2).

XI – Quanto ao segundo requisito referido – que a novidade dos factos e dos meios de prova suscite graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não se trata de uma qualquer dúvida, tem que ser uma dúvida sólida, séria, consistente e verdadeiramente perturbadora para que se possa afirmar a sua “gravidade”.

XII – Trata-se de um grau de convicção mais exigente do que aquele que é exigido na fase de julgamento para levar à absolvição do arguido em audiência se então fossem conhecidos os novos factos e os novos meios de prova. Situa-se para além da dúvida ‘razoável’, pois, mais do que razoável, deve ser uma dúvida ‘grave’, pois só essa poderá justificar a revisão do julgado.

XIII – A “dúvida relevante” para a revisão tem de ser “qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida: isto é, que, na ponderação conjunta de todos os meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação (artigo 125.º) e, sem prejuízo da sujeição das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.

XIV – Os novos factos ou meios de prova têm, deste modo, que suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, mas, nesse caso, desde que suscitem possibilidade de absolvição e já não de mera correcção da medida concreta da sanção aplicada; tudo terá de decorrer sob a égide da alternativa condenação/absolvição, que afinal plasma e condensa o binómio condenação justa (a manter-se) condenação injusta (a rever-se).

XV – É por demais evidente que todas as questões suscitadas pelo arguido, ora recorrente, não constituem fundamento legal para a revisão do acórdão condenatório nos termos peticionados. Desde logo, o arguido deturpou a realidade dos autos, quando afirmou que foi com “estupefação” que agora, volvidos 5 anos, tomou conhecimento da pendência destes autos e da respetiva condenação na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, quando resulta à saciedade dos autos que, para além de o mesmo ter sido detido no dia 20.01. 2016, aquando da prática dos factos, foi no dia seguinte, sujeito a interrogatório nos Serviços do Ministério Público, tendo prestado termo de identidade e residência.

XVI – Falecem, pois, todas as nulidades, irregularidades e insconstitucionalidades invocadas pelo ora recorrente na sua petição, uma vez que esteve presente, foi notificado nos termos acima expostos de todos os actos que diz agora desconhecer e que se resumem a uma e única pretensão: a realização de um novo julgamento, inverificado o seu sucesso no recurso ordinário que apresentou, que foi apreciado, e que viu negado provimento.

XVII – De acordo com o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, a revisão de sentença transitada em julgado só é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

XVIII – Com efeito, o recurso de revisão é um recurso de aplicação extraordinária, que só uma comprovada e clamorosa ofensa do princípio reitor da justiça, leva a que este deva prevalecer sobre o princípio da segurança decorrente do caso julgado.

XIX – No caso vertente, o arguido limita-se a alegar que não praticou o crime por que foi condenado. Não invoca novos factos, nem novas provas que evidenciem, por si só ou quando conjugados com os que foram apreciados no processo, qualquer clamoroso atropelo da análise da prova ou da justiça da sua condenação. O arguido não apresenta qualquer argumento ponderoso, susceptível de causar graves dúvidas sobre o acerto da sua condenação. Vem juntar e alegar, uma declaração escrita de um coarguido (que agora diz desconhecer, o que pelo que se disse anteriormente, não é plausivel), que não merece qualquer credibilidade e que nada de novo traz ao processo, ou que já não tenha sido anteriormente ponderado.

XX – Verifica-se que o fundamento do recurso, assenta, mais uma vez, na pretensa falsidade das declarações prestadas pelos co-arguidos, à data do julgamento, onde esteve presente.

XXI – Pelo que, os fundamentos que invoca não constituem fundamento para o recurso agora interposto, além de que não é este o recurso próprio para alegar a inconstitucionalidade, por violação dos seus direitos de defesa, bem como do princípio do contraditório, não se vendo como possa prejudicar gravemente os seus direitos, liberdades e garantias.

XXII – Destarte, o pedido revela-se manifestamente infundado, pelo que se nega a revisão.

Fonte: https://www.dgsi.pt




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