PROCESSO N.º 757/18.2JACBR.C1.S1 Supremo Tribunal de Justiça
Data
10 de dezembro de 2020
Descritores
Recurso de Acórdão da Relação
Homicídio qualificado
Detenção de arma proibida
Motivo fútil
Frieza de ânimo
Reflexão sobre os meios empregados
Especial censurabilidade
Medida concreta da pena
Pena parcelar
Pena única
Sumário
I – Não pode considerar-se que o arguido agiu por motivo irrisório ou insignificante, posto que todo o iter delitivo vem motivado por uma quezília precedente e persistente, entre o homicida e a vítima, seu irmão, por razões de partilhas, designadamente da utilização de um barracão agrícola que divide em duas parcelas, cultivadas por cada um, um terreno por partilhar, tendo a vítima, no dia precedente, colocado uma máquina agrícola de tal modo que impedia a passagem do arguido para a parcela de seu cultivo, vindo no dia seguinte a envolver-se em confronto físico, no decurso do qual, quando a vítima já se afastava, o arguido disparou o tiro que veio a tirar a vida ao irmão.
II – O motivo do agir não pode ter-se como fútil, para os efeitos prevenidos na al. e) do n.° 2 do art. 132.° do CP, do passo em que, na subjectividade do arguido, o facto de, acentuando a quezília sobre a posse do terreno, a vítima lhe ter vedado o acesso à parcela que cultivava, não a justificando, explica a acção delitiva.
III – Verifica-se a qualificativa prevista na al. j) do n.° 2 do art. 132.° do CP, quando, traduzida na percepção, pelo arguido, da colocação da fresa, pela vítima, junto ao portão do falado barracão, que impedia a passagem para a metade do terreno que o arguido cultivava, do sequente telefonema deste à irmã de ambos, dizendo que dava «um tiro nos cornos» ao irmão, da deslocação, no dia seguinte, também pelo fim da tarde, do arguido ao terreno, munido da pistola examinada nos autos, com que. disparou sobre o irmão, que, num primeiro momento, não atingiu, vindo depois ambos a envolver-se em confronto físico, até que, quando a vítima se apartava e afastava do arguido, este, ainda por terra, disparou o tiro homicida sobre o peito daquele, assim lhe tirando a vida.
IV – Diante de tal materialidade, não pode deixar de considerar-se que a imagem global dos factos, a leitura compreensiva dos factos provados, no contexto do conflito precedente, da atitude assumida e verbalizada no dia anterior, na deslocação ao local da contenda, munido da pistola, os disparos sucessivos sobre a vítima, revela a persistência na reflexão sobre a intenção de matar e mesmo na execução dos disparos, uma certa insensibilidade e indiferença relativamente à vida do seu irmão, exteriorizando a exigência de especial censurabilidade.
V – Desse hiato temporal entre a ideação do acto delitivo, do meio a usar e a passagem à acção, por seu intermédio, titula firmeza, propósito, tenacidade, irrevogabilidade da decisão, tal seja, uma forte vontade criminosa, que não pode deixar de conter-se na regra prevenida no n.° 1 do art. 132.°, do CP, posto que, à luz da ponderação global do facto, espelha uma censura agravada, seja na medida em que tal circunstancialismo repercute um mais acentuado desvalor do facto (especial censurabilidade).
VI – Em face de tal contexto delitivo, a pena parcelar de 17 anos de prisão (na moldura abstracta de 12 a 25 anos) relativa ao crime de homicídio, concretizada na instância, deve ser reduzida a 16 anos de prisão, e a pena única ali aplicada, de 17 anos e 6 meses de prisão (na moldura abstracta de 17 anos a 18 anos e 6 meses de prisão), deve agora (na moldura abstracta de 16 anos a 17 anos e 6 meses de prisão), ser reduzida a 16 anos e 6 meses de prisão, relevando do cúmulo com a pena de 1 anos e 6 meses de prisão aplicada pelo crime de detenção de arma proibida, penas que se figuram adequadas e proporcionadas, de molde a satisfazer as fortes exigências de prevenção geral, sem afectar as necessidades de prevenção especial, sendo ademais permitidas pela medida da culpa.
Fonte: https://www.dgsi.pt