PROCESSO N.º 2942/18.8T8PRT.P1 Tribunal da Relação do Porto
Data
7 de junho de 2021
Descritores
Caso julgado formal
Resolução do contrato de arrendamento
Abuso de direito
Sumário
I – As decisões proferidas ao abrigo de legislação transitória, como é o caso da legislação que foi sendo aprovada no decurso da pandemia de Covid-19, não são imutáveis, podendo e devendo ser revistas e alteradas no processo sempre que exista uma subsequente alteração relevante do regime legal transitório sobre cujo domínio foram proferidas.
Destarte, neste outro contexto, essa alteração da decisão anteriormente proferida não confronta o caso julgado formado por aquela anterior decisão (não impugnada).
II – Na sentença o juiz pode, nas condições previstas no artigo 5º, n.º 2, do CPC, considerar os factos concretizadores ou complementares da causa de pedir ou da excepção, ainda que os mesmos não tenham sido oportunamente alegados pelas partes.
III – Quanto aos factos essenciais da causa de pedir ou da excepção vigora, ao invés, o princípio do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, tendo as mesmas que proceder à sua alegação oportuna para que esses factos possam ser levados em consideração no acto decisório, não colhendo sentido chamar à colação o princípio do inquisitório ou os deveres de gestão do tribunal, pois que os mesmos não tem por finalidade suprir a alegação de factos essenciais a cargo da parte interessada.
IV – A excepção de abuso do direito, ainda que constitua uma excepção de conhecimento oficioso, só tem de ser conhecida pelo tribunal se os autos contiverem os factos essenciais para o efeito, o que pressupõe que os mesmos tenham sido oportunamente alegados pela parte que pretende beneficiar da excepção.
V – Mantendo-se o arrendatário apartado do locado há mais de um ano (por referência à data de instauração da acção) e não ocorrendo nenhuma causa justificativa para esse não uso, tal como prevista no n.º 2 do artigo 1072º, do CC, existe incumprimento grave do contrato de arrendamento, que legitima a sua resolução, por não ser exigível ao locador, em tais circunstâncias (violação reiterada de um dever do arrendatário, que coloca em risco o estado de conservação do locado), manter o vínculo contratual existente.
VI – Não actua em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium (supressio), o locador que sabe que o arrendatário não usa o locado para habitação há mais de quatro anos e, apesar disso, pretende por termo ao contrato com esse fundamento, sendo que o mero decurso do tempo, não justifica, sem mais, à luz dos ditames da boa-fé, a expectativa do arrendatário quanto à aceitação definitiva dessa situação e consequente renúncia ao direito de resolução do contrato com esse fundamento.
Fonte: https://www.dgsi.pt