PROCESSO N.º 300/19.6Y9PRT-B.P1 Tribunal da Relação do Porto
Data
14 de abril de 2021
Descritores
Interrupção da prescrição
Execução
Suspensão da prescrição
Lei temporária
Sumário
I – A questão de saber se a mera instauração da execução constitui ou não um facto interruptivo da prescrição da coima foi bastante discutido e objecto de jurisprudência contraditória. Todavia, o Acórdão para Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça pôs fim à controvérsia, decidindo.
“A mera instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do respectivo pagamento, não constitui causa de interrupção da prescrição da pena prevista no art. 126º, n.º 1, al. a) do C.P” – Acórdão para uniformização de Jurisprudência n.º 2/2012, publicado no DR, I Série de 12-04-2012.
II – Saber se a Lei nº 1-A/2020, de 19/03, estabelecendo medidas excepcionais e temporárias, designadamente a suspensão dos prazos processuais (prescrição e caducidade), é aplicável no âmbito penal e contraordenacional (presente caso), para efeitos de prescrição da pena – teve também respostas discordantes.
III – Esta questão foi exaustivamente apreciada no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-07-2020, proferido no processo 128/16.5SXLSB.L1-5. Ali se decidiu que “A lei penal temporária nunca é aplicável retroactivamente, a não ser nos casos em que se reconheça existir uma verdadeira sucessão de leis penais temporárias em que será aplicável a mais favorável. Por conseguinte, a lei penal ainda que temporária aplica-se aos factos praticados na sua vigência, tendo em conta o tempus delicti, nos termos do artigo 2.º, n.º1, do Código Penal. A causa de suspensão da prescrição estabelecida no artigo 7.º, n.º3, da Lei n.º 1-A/2020, enquanto seja aplicada aos prazos de prescrição do procedimento criminal e de prescrição das penas e das medidas de segurança, aplica-se aos factos praticados na sua vigência – cfr. sumário do acórdão.
Em consequência deste entendimento, conclui-se que também em matéria de prescrição da pena é aplicável o princípio da lei penal mais favorável.
IV – O momento-critério da determinação da lei aplicável é o tempus delicti (artigo 2.º. n.º1, do Código Penal), independentemente de o prazo de prescrição da pena contar-se a partir do momento em que transita em julgado a sentença (cfr. acórdão da Relação de Coimbra, de 27-11-2013, processo 236/96.7BAND-A.C1), sem prejuízo da sujeição ao princípio da lei mais favorável, atenta a natureza da prescrição (artigo 2.º, n.º4, do Código Penal). Vinculadas, assim, as normas relativas à prescrição, seus prazos e causas de suspensão ou interrupção, tendo em vista a sua natureza substantiva, ou, pelo menos, mista (substantiva e processual), aos princípios da legalidade e da aplicação da lei mais favorável, afigura-se-nos que a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal e das penas e medidas de segurança estabelecida no artigo 7.º, n.º3, da supra citada Lei n.º 1-A/2020, apenas poderá ser aplicada aos factos praticados na sua vigência (entendimento sustentado no E-book do Centro de Estudos Judiciários, “Estado de Emergência – COVID 19 – Implicações na Justiça”, 2.ª edição, http://www.cej.mj.pt/ cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid19_2Edicao.pdf, com argumentos que têm a nossa inteira adesão).
Entender que a nova causa de suspensão do procedimento criminal e de suspensão da prescrição das penas e das medidas de segurança se aplica aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, estavam já em curso, seria admitir a aplicação retroactiva da lei penal, em violação do disposto no artigo 29.º, n.º4, da C.R.P., já que tal suspensão, alargando os prazos de prescrição, agrava a situação do arguido/condenado.
V – A lei penal temporária nunca é aplicável retroactivamente, a não ser nos casos em que se reconheça existir uma verdadeira sucessão de leis penais temporárias em que será aplicável a mais favorável. Por conseguinte, a lei penal ainda que temporária aplica-se aos factos praticados na sua vigência, tendo em conta o tempus delicti, nos termos do artigo 2.º, n.º1, do Código Penal. E continua a ser aplicada a esses factos mesmo depois da cessação da sua vigência, o que constitui excepção ao princípio da lei mais favorável, conforme estabelece o artigo 2.º, n.º3, do Código Penal, que veio consagrar legislativamente a doutrina firmada pelo assento de 18 de Julho de 1947, citado (a nosso ver, salvo melhor opinião, sem a melhor compreensão do seu alcance) no despacho recorrido de 22 de Maio.
A aplicação de lei penal, temporária ou não, a factos anteriores à sua vigência, constituirá uma aplicação retroactiva dessa lei.
Ora, aplicar a nova causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal e de suspensão da prescrição das penas e das medidas de segurança aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, estavam já em curso, ou seja, a factos praticados antes da sua vigência, implica, a nosso ver, uma aplicação retroactiva da lei, em sentido mais gravoso para o agente do crime e em violação do já mencionado artigo 29.º, n.º4, da C.R.P., sendo certo que nem mesmo nas situações de declaração do estado de sítio ou do estado de emergência pode ser afectada “a não retroactividade da lei criminal”, como expressamente se consagra no artigo 19.º, n.º 6, da mesma C.R.P. e foi também consagrado na Lei n.º 44/86, de 30 de Setembro, que estabelece o regime do estado de sítio e do estado de emergência.
VI – A causa de suspensão da prescrição estabelecida no artigo 7.º, n.º3, da Lei n.º 1-A/2020, enquanto seja aplicada aos prazos de prescrição do procedimento criminal e de prescrição das penas e das medidas de segurança, aplica-se aos factos praticados na sua vigência.
VII – A prescrição da pena, enquanto pressuposto negativo da sua aplicação, deve estar estabelecida em lei anterior. Só será aplicável uma lei posterior (aplicação retroactiva) nos casos em que o seu conteúdo seja mais favorável ao arguido. Este princípio da não retroactividade da lei penal, salvo se mais favorável ao arguido, nem sequer pode ser afastado em “estado de emergência”. Com efeito, nos termos do art. 19º, 6, da CRP, a declaração do estado de emergência “em nenhum caso pode afectar os direitos (…) à não retroactividade da lei criminal”.
Deste modo, o disposto no art. 7º, n.º 3 da Lei 1-A/2020 de 19 de Março, quanto à suspensão da prescrição ali prevista, não pode ser aplicado retroactivamente em direito penal, sob pena de inconstitucionalidade. Ou seja, podemos concluir que o regime da suspensão da prescrição aplicável é aquele que vigorar na data da prática da infracção, pro força do art. 2º, n.º 1 do C.P e 3º, n.º 1 do DL nº. 433/82, de 27/10, salvo se a lei nova for mais favorável ao arguido – cfr. neste sentido PEDRO CAEIRO, Aplicação da Lei Penal no Tempo e Prazos de Suspensão da Prescrição (…) Separata de Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Coimbra, 2001.
Fonte: https://www.dgsi.pt