PROCESSO N.º 1027/19.4PBEVR.E1.S1 Supremo Tribunal de Justiça

Data
11 de novembro de 2021

Descritores
Recurso penal
Constituição de arguido
Poderes do Ministério Público
Arquivamento do inquérito
COVID-19
Estabelecimento prisional
Serviço nacional de saúde
Teleconferência
Falta
Arguido
Audiência de julgamento
Declarações do arguido
Lei aplicável
Lei processual
Adiamento
Nulidade insanável
Direito de defesa

Sumário

I – Decorre dos elementos dos autos que, tendo havido uma notícia do crime contra desconhecidos [e portanto não estando preenchida a condição de obrigatoriedade de constituição do arguido prevista no art. 58.º, n.º 1, al. a), do CPP] e tendo sido os interrogatórios realizados a ambos os arguidos numa fase inicial, ainda antes de o órgão de polícia criminal ter considerado a existência de fundadas suspeitas sobre os dois intervenientes [e, portanto, não estando, naquela altura, preenchida a condição prevista no art. 58.º, n.º 1, al. d), do CPP], não houve até à acusação (do aqui arguido) relativamente ao outro suspeito nenhuma situação que determinasse a constituição obrigatória de arguido.

II – O arquivamento implícito verificado, ainda que não permita saber quais as razões desta decisão pelo MP, constitui o exercício dos poderes concedidos ao MP na fase de inquérito.

III – Sabendo que a obrigatoriedade de interrogatório ao arguido pretende assegurar o direito de defesa antes do encerramento do inquérito pelo MP e permite que o arguido saiba de antemão quais os factos que lhe são imputados evitando-se “acusações surpresa”, nenhuma destas situações ocorria que justificasse a constituição como arguido do outro interveniente, dado que não iria ser deduzida acusação contra ele.

IV – A atividade do MP poderia ter sido sindicada através da intervenção hierárquica ou através da abertura da instrução, mas ninguém com competência para suscitar uma destas vias o fez; pelo que ficou fechada a perseguição criminal pelos factos julgados nos autos em atenção ao princípio da consunção.

V – A não acusação ou um arquivamento ainda que implícito dos factos que, segundo outros sujeitos processuais, seriam bastantes para a prolação de uma acusação (contra o outro suspeito) constitui uma eventual errada leitura ou qualificação dos indícios cujo controlo judicial deveria ter sido suscitado em devido tempo e por quem tinha legitimidade.

VI – A partir da leitura da ata verifica-se não que o arguido estivesse doente, mas sim que estaria em isolamento profilático por ter tido um contacto de risco com reclusos portadores de infeção (COVID-19) provocada pelo coronavírus SARS-COV-2 que se encontravam no mesmo bloco do Estabelecimento Prisional, sendo que este isolamento é determinado pelas Autoridades de Saúde; no presente caso o arguido apresentou-se à chamada do juiz através dos meios que lhe foram disponibilizados para tanto, pelo que não poderemos considerar estarmos perante uma falta; tendo em conta que as regras processuais penais determinam a obrigatoriedade da sua presença física, o arguido manifestou expressamente esse desejo, não só quando lhe foi concedida a palavra, como anteriormente através do seu mandatário.

VII – Não estamos no caso dos presentes autos perante nenhuma das circunstâncias previstas no CPP que permitem a realização da audiência sem a presença do arguido, pelo que neste caso era obrigatória a sua presença.

VIII – Com o o art. 6.º-A, da Lei n.º 1-A/2020 (aditado pelo art. 2.º, da Lei n.º 16/2020) a regra passou a ser, novamente, a presença física dos arguidos na audiência, e mesmo que seja admitida a utilização de meios de comunicação à distância [nos termos do art. 6.º-A, n.º 2, al. b)], tal não pode ocorrer aquando da prestação de declarações do arguido ou de depoimento das testemunhas, salvo acordo dos sujeitos processuais.

IX – Na sessão de 21-10-2020 o arguido não prestou declarações porque, disse-o expressamente, queria-o fazer fisicamente, porém houve lugar não só à apresentação do objeto do processo como também à obtenção de depoimentos do ofendido e de uma testemunha.

X – Na sessão de 09-12-2020 o arguido não esteve novamente presente, tendo a Meritíssima Juíza proferido despacho considerando não ser possível a continuação da audiência — este despacho por si só demonstra a necessidade de o arguido estar presente no decurso da audiência.

XI – Acresce referir que nos termos do art. 14.º, n.os 1 e 2, do Decreto- Lei n.º 10-A/2020, de 13-03 (alterado pelo art. 4.º, da Lei n.º 16/2020, de 29-05, e em vigor a partir de 03-06-2020, ou seja, já em vigor aquando da primeira sessão da audiência de discussão e julgamento) se determinava o justo impedimento dos que se encontravam em isolamento profilático permitindo o adiamento das diligências nestas situações.

XII – Sabendo que as normas processuais penais dão ao arguido o direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, necessariamente se impõe que esteja sempre presente (em todas as sessões) para, querendo, poder prestar declarações; sendo assim, atento o disposto nos arts. 332.º, n.º 1 e 119.º, al. c), ambos do CPP, estamos perante uma nulidade insanável que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento.

XIII – O direito de defesa do arguido, na parte em que lhe concede a prerrogativa de “ser assistido por defensor (…) e, quando detido, comunicar, mesmo em privado” [art. 61.º, n.º 1, al. f), do CPP] com o defensor, foi desproporcionalmente limitada nos presentes autos o arguido encontrava-se em isolamento profilático e, por isso, foi impedido de ser contactado pelos seus mandatários.

XIV – O despacho que decidiu a invalidade e concedeu a possibilidade de uma videoconferência entre o mandatário e o arguido por um período de 15 minutos foi também objeto de recurso para o tribunal da Relação; sendo assim, e porque se trata de um recurso de uma decisão prolatada num despacho do qual se recorreu para o tribunal da Relação e esta decidiu, nesta parte a decisão do tribunal da Relação é irrecorrível, por força do disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. c), do CPP.

Fonte: https://www.dgsi.pt




O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados disponibiliza a presente newsletter. Esta compilação não pretende ser exaustiva e não prescinde a consulta das versões oficiais destes e de outros textos legais.