PROCESSO N.º 526/21.2PIVNG-A.P1 Tribunal da Relação do Porto
Data
22 de setembro de 2021
Descritores
Declarações para memória futura
Regime geral
Norma excepcional
Regimes especiais
Sumário
I – O incidente de produção antecipada da prova – excepção ao princípio estruturante da produção ou análise da prova em Audiência, perante o Julgador, geralmente denominado de “princípio da imediação” – circunscrevia-se, na versão original do Código de Processo Penal, aos casos de doença grave (para obviar logicamente ao perigo de falecimento ou impedimento de comparência), ou deslocação para o estrangeiro (v.g. os casos de um turista estrangeiro vítima de roubo ou furto no País).
II – Esta versão original foi objecto de sucessivas alterações: pela Lei n.º 59/98, de 25/08 (acrescentou, no nº 1, a expressão “bem como nos casos de vítimas de crimes sexuais); pela Lei n.º 48/2007, de 29/08 (alterou o nº 1 para “bem como nos casos de vítimas de crime de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual”, introduziu o nº 2, criou o nº 3, acrescentou o nº 4, alterou o originário nº 5, acrescentou o nº 6, o nº 7; e pela Lei n.º 102/2019, de 06/09 (adaptou à ordem jurídica interna às disposições da Convenção do Conselho da Europa contra o Tráfico de Órgãos Humanos).
III – O art.º 271º do CPP constitui, já em si, uma norma excepcional, que consagra uma disciplina contrária à norma geral constante do artigo 355º.
IV – Paralela, e especificamente, no âmbito do regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, foi inserido o artigo 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que trata das declarações para memória futura nesse âmbito.
V – O artigo 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16/09, constitui uma norma especial, regulando um sector restrito de casos: os crimes de violência doméstica, consagrando uma regra paralela à norma excepcional do regime geral.
VI – Mais tarde, foi inserido, no âmbito do Estatuto da Vítima, o artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que igualmente trata das declarações para memória futura.
VII – Também este preceito constitui norma especial, regulando um sector restrito de casos: as vítimas especialmente vulneráveis, e consagra também uma regra paralela à norma excepcional do regime geral.
VIII – Criado pelo legislador original do Código como meio preventivo de recolha e conservação da prova em perigo de se perder, o âmbito deste incidente processual alargou-se, como referido, para a protecção das vítimas de crimes de tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas, de crimes contra a liberdade ou determinação sexual, de crimes de violência doméstica e/ou vítimas especialmente vulneráveis.
IX – Estes regimes especiais sobrepõem-se num determinado sector: as vítimas de crimes de violência doméstica e especialmente vulneráveis, sendo que entre ambos há divergência quanto à abordagem da repetição do depoimento em Audiência: se, no caso de violência doméstica, a tomada de declarações para memória futura “não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento”, no caso de vítima de violência doméstica, com vítima especialmente vulnerável, “só deverá ser prestado depoimento em audiência de julgamento se tal for indispensável à descoberta da verdade”.
X – Estamos perante diferentes formulações da mesma realidade, em que o foco da “tomada de declarações para memória futura” é numa colocado com o aspecto que tem “à partida” e noutra com o aspecto que tem “à chegada”: No 1º caso, a tomada de declarações para memória futura “não prejudica”, isto é, não impede, não impossibilita, a repetição do depoimento em Audiência (seria mais rigoroso utilizar o termo “declarações”, uma vez que se trata de vítima, normalmente assistente e/ou demandante civil); no 2º caso, a tomada de declarações para memória futura impossibilita, impede, a repetição das declarações em Audiência, salvo se “for indispensável” à descoberta da verdade.
Fonte: https://www.dgsi.pt