PROCESSO N.º 19354/20.6T8LSB.S1 Supremo Tribunal de Justiça
Data
8 de setembro de 2021
Descritores
Imunidade jurisdicional
Exceção dilatória
Incompetência absoluta
Direito internacional
Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
Constitucionalidade
Princípio do acesso ao direito e aos tribunais
Recurso per saltum
Sumário
I. A imunidade de jurisdição das organizações internacionais, tem como pressuposto que tais entidades formadas pela reunião de Estados soberanos, possuem titularidade de direitos e deveres internacionais, não podendo nenhum destes Estados exercer jurisdição sobre elas.
II. Diferentemente do que sucede com os Estados, em que as respetivas imunidades baseiam-se na reciprocidade e nos princípios de soberania e igualdade dos Estados, que conduzem à máxima par in parem non habet imperium, as organizações internacionais e o seu pessoal gozam de imunidades e privilégios funcionais, isto é, adequados à realização das atribuições que lhes foram adstritas pelos tratados instituidores, estando, por isso, sujeitas a um princípio de especialidade e abarcam, para além dos acta iure imperii, os acta iure gestionis.
III. A razão de ser da imunidade das organizações internacionais radica na necessidade funcional, ou seja, na necessidade de as mesmas cumprirem, com independência, os objetivos e funções previstas no seu tratado constitutivo, afastando-se, deste modo, a ingerência dos Estados membros e a aplicação do seu direito interno.
IV. A imunidade de jurisdição do Conselho da Europa está expressamente prevista no artigo 40.º, alínea a), do Estatuto do Conselho da Europa e no artigo 3º, do Acordo Geral sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa e é vinculativa para os Estados que dele fazem parte e que assinaram a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pelo que não pode o mesmo ser convocado para comparecer perante qualquer tribunal dos Estados membros contratantes, a menos que o Comité de Ministros tenha consentido no exercício da jurisdição.
V. Sendo Portugal um Estado membro do Conselho da Europa e tendo aderido ao Acordo Geral sobre os Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa, os tribunais portugueses estão obrigados a respeitar a imunidade de jurisdição do Conselho da Europa prevista no artigo 40.º, alínea a), do Estatuto do Conselho da Europa e no artigo 3.º, do referido Acordo Geral, e, por isso, impedidos de julgar a atuação do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no exercício das suas funções, enquanto órgão daquele Conselho.
VI. A imunidade de jurisdição do Conselho da Europa constitui, assim, uma exceção dilatória, geradora da incompetência absoluta dos tribunais portugueses, obstativa do conhecimento do mérito da causa e determinante da absolvição da instância, nos termos dos artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 576º, nº 2 e 577.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil.
VII. Não obstante a imunidade de jurisdição de que goza o Conselho da Europa limitar a atuação jurisdicional dos tribunais portugueses, não constitui a mesma violação ao disposto no artigo 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, quer porque uma tal imunidade não tem o condão de impedir qualquer ação judiciária, indicando apenas que o tribunal escolhido é inadequado, quer porque o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva consagrado naquele artigo não reconhece aos cidadãos o direito de escolherem livremente o Tribunal para julgamento do litígio, cabendo, antes, a cada Estado determinar a competência dos seus tribunais e aderir a convenções internacionais, sem que os particulares possam deixar de respeitar a opção legislativa tomada.
Fonte: https://www.dgsi.pt