PROCESSO Nº 171/14.9TBPRG-D.G1
Data
24 de setembro de 2020
Descritores
Processo Urgente
Erro Na Contagem Do Prazo
Situação Excecional
Lei Temporária
Dispensa Do Pagamento Do Remanescente Do Taxa De Justiça
Sumário
1. Alegando e concluindo a parte chamada a intervir na causa a título principal, perante a Relação, no recurso por ela interposto da decisão de 1ª Instância que julgou extemporânea a sua contestação, que não lhe foi mas devia ter sido (apesar de rejeitado o seu articulado) notificada a marcação da audiência prévia e que “impõe-se que o Tribunal a quo notifique a recorrente” para tal diligência, isto sem que o problema tenha sido colocado naquele tribunal a quo e este tenha, quanto ao mesmo, proferido qualquer decisão com que porventura a chamada não se conforme e pretenda ver superiormente reapreciada nesta, tal matéria jamais pode constituir objecto do dito recurso, uma vez que, como é geralmente sabido e, aliás, é pacífico na Doutrina e na Jurisprudência que vastamente tratam a questão, o tribunal superior tem a função de reponderar e eventualmente modificar decisões proferidas no inferior, não lhe competindo acolher e despachar requerimentos por tal via e modo formulados nem substituir-se-lhe (não sendo a matéria de conhecimento oficioso), assim invertendo o regime de recursos.
2. O mesmo sucede quanto ao pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça fundado na circunstância de o valor da causa ser de 500.000€, pois tal pedido deve ser dirigido ao respectivo juiz do processo e por este ser apreciado e decidido, sempre nas oportunidades legal e processualmente adequadas para o efeito, como decorre do nº 7, do artº 6º, do RCP, não tendo qualquer fundamento a alegação de que cabe ao tribunal ad quem, ou seja, a esta Relação, pronunciar-se nesta sede recursiva que visa outra questão diversa.
3. Tendo a Chamada sido citada, em acção declarativa para resolução de negócio em benefício da Massa apensa a processo de insolvência – que tem natureza urgente – em 28-04-2020 (data em que vigorava a redacção do nº 7, da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, introduzida pela Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril, de acordo com a qual aqueles processos “continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos”) e apresentado o seu articulado de contestação em 25-06-2020, este é extemporâneo, pois, contado continuamente, nos termos do artº 138º, nº 1, CPC (por não haver lugar a qualquer suspensão ou interrupção legais), o prazo de 30 dias terminou, já com a dilação legal, em 02-06-2020 (ou 05-06-2020, com multa, nos termos do artº 139º).
4. Constando, na nota de citação, a advertência de que o prazo é “contínuo”, o facto de aí não se aludir à natureza do processo e de se acrescentar erradamente que aquele se “suspende nas férias judiciais” (hipótese, no caso, insusceptível de ocorrer), tal não legitima que a recorrente tenha assumido e ficcionado o processo como não urgente e pretenda que, nessa perspectiva, deve o prazo contar-se como sendo-lhe aplicável o nº 1, do artº 7º, na referida redacção (segundo a qual “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de actos processuais […] ficam suspensos até à cessação da situação excepcional […]”).
5. Tal não constitui fundamento para invocar ter sido induzida em erro pela Secretaria e em função do teor da nota de citação e que foi esta que gerou em si a confiança de que a contagem do prazo, apesar de o processo ser urgente e lhe ter sido comunicado que era contínua, estava, no entanto, suspensa ao abrigo da lei temporária então vigente para todos os demais processos.
6. Por isso, não pode beneficiar do regime previsto no nº 6, do artº 157º, nem dos nºs 3 e 4, do artº 191º, CPC, uma vez que não foi o lapso da secretaria que lhe causou o erro (e o prejuízo) nem ele consistiu na indicação de um prazo superior ao legal ou num modo de contagem de que tal resultasse.
7. Não vale argumentar com o disposto no artº 236º, do CC: um qualquer outro destinatário normal da citação naquelas mesmas circunstâncias – ou seja, uma qualquer outra pessoa tida como capaz de agir de harmonia com os padrões de cuidado e de sagacidade considerados socialmente como normais, iluminada por conhecimentos próprios das pessoas comuns, instruído com medianas aptidões adquiridas por via da experiência corrente da generalidade delas – colocado na posição de quem realmente recebe aquela nota de citação do tribunal chamando-o para contestar uma acção e lê nela a advertência de que o prazo é “contínuo” (expressão simples, clara, de sentido facilmente perceptível e assimilável por qualquer cidadão) e que o mesmo apenas se “suspende nas férias” (circunstância cuja hipótese de ocorrência só alguém dotado de instrução superior poderia equacionar como possível), não deduziria que, por a secretaria se ter enganado, o processo tinha a natureza legal de não urgente e que, afinal, era inócua e desprezível a “continuidade” para que fora alertada por, ao invés, nesse pressuposto se lhe aplicar a suspensão da Lei 4-A/2020.
8. Nem a secretaria e o próprio tribunal razoavelmente contariam que, em vez de interpretar em termos correntes a comunicação e reagir diligentemente em função dela – ou seja, contar o prazo seguido –, a recorrente iria cogitar e retirar dela um outro sentido mais rebuscado, necessariamente carente de maior labor intelectual e posse de especiais conhecimentos, e que confiaria neste para, em postura temerária, relaxar e reagir em conformidade, protelando a apresentação do seu articulado para o 59º dia posterior ao da citação.